Entre paredes, na escola: Cuatro por cuatro, de Sara Mesa

Entre paredes, na escola: Cuatro por cuatro, de Sara Mesa

Alexandre Fernandez Vaz

É em um internato misto que as coisas acontecem. Cuatro por cuatro (Barcelona: Alfaguara, 2012), de Sara Mesa, destaque de uma nova geração de ficcionistas espanhóis, é um romance cuja narrativa se assenta em relações enclausuradas de quem não pode, ou não quer, sair de um espaço que certamente oprime, mas que também produz regimes de verdade e naturaliza ritos. A clausura não é apenas espacial. Encerrados em medos e frustrações, cada habitante do pequeno universo vai se acertando nas fronteiras muito bem delimitadas de classe, gênero e hierarquia que organizam o cotidiano de uma escola para ricos, mas que tem lá seus “especiais”, geralmente filhos e filhas dos empregados locais. A continuada caridade, como costuma acontecer, reforça e mantém intocada a exploração de classe.

As vozes narrativas que se alternam no livro em três partes ganham sua máxima introspeção na segunda delas, quando um improvável impostor na função de professor de língua nacional se adequa do jeito que pode à rotina do Wybrany College (colich, para os nativos), descrevendo suas vicissitudes e, de uma posição algo externa, sua incredulidade, frente a tantos códigos, condutas e acontecimentos inusitados, surpreendentes, perversos. É com estranheza que o estranho observa e registra, encontrando no diário a forma possível para dar algum sentido à existência imprevisível. Parece que só o registro pessoal, sem pretensão comunicativa senão para si mesmo, é capaz de ir às últimas consequências que correspondem àquela experiência escolar.

É com frequência que a escola e seus personagens são tema ou pelo menos território da ficção literária. De um clássico como O Ateneu, de Raul Pompeia, e do ótimo Diário da queda, de Michel Laub, para citar dois brasileiros, até os excelentes Nemesis, de Philip Roth, e La ciudad y los perros, de Mario Vargas Llosa, essa instituição tão moderna quanto complexa não comparece na ficção por casualidade. Sua importância para o projeto do Ocidente é conhecida, não fosse por outros motivos, pelo fato de que um grande pedaço da vida de cada um é gasto, ou deveria ser, na posição de aluno em seu intramuros. Se o ex-aluno se torna professor – da Educação Básica ou da Universidade, tanto faz, neste caso –, então temos uma vida inteira escolarizada. É também matéria abundante na memória de escritores, eles mesmo geralmente com longo histórico escolar – ainda que nem sempre com as melhores notas. Memórias da escola, sejam próprias, sejam as que vão se incorporando em versões do relato de cada um, constituem, além do mais, prato cheio para sabermos sobre o tempo em que vivemos. O esforço ficcional oferece forma expressiva que talvez diga algo que as pesquisas nem sempre alcançam.

Há uma história clandestina da escola, a emergir a todo momento, que é narrada com agudeza literária por Sara Mesa. Ela é a das perversas relações entre alunos, segregados entre si pela posição de classe que ocupam, mas também por pequenas diferenças geracionais que se agigantam. Igualmente sinistros são os encontros entre meninos e meninas e professores, diretores, coordenadores, mesmo que às vezes pareçam apaziguados e aparentemente inocentes. São poderes em jogo, em várias direções, que se materializam na linguagem, na arquitetura, em pequenas flutuações que se enquadram, no entanto, nas rígidas hierarquias que não se deixam desestabilizar pelas pequenas astúcias dos de baixo. Classe, corpo, geração e voz, são forças de distinção e poder nesse universo que só em aparência se rege por critérios e normas racionais. Ao contrário, vigem a obediência e o acordo tácitos, conforme a situação, prevalece o inaudito das chamadas boas intenções.

A escrita desesperançada de Cuatro por cuatro acentua que o espaço do colichestá ordenado para que nada se altere, a não ser dentro do próprio esquema. Despontam então Celia, a menina “especial” que não suporta as fronteiras, e Ignacio, o menino rico e de corpo insuficiente que desliza de oprimido a opressor, na medida da potência de seu desengano e desespero. “Yo no tengo ningún recuerdo agradable de mi infancia. Yo justo empiezo a ser feliz ahora”, diz ele, ainda um jovenzinho, lá pelas tantas, ao dar-se conta das malignas estratégias que o sacam da posição de baixo.

O cotidiano é de medo e frustração, o método é feito de dissimulação, enquanto o espírito é o cinismo e a crueldade. Rituais e hierarquias são a moldura. O território é a escola. Eis uma história nem tão clandestina, conhecida por todos nós.

Sul da Ilha de Santa Catarina, maio de 2016.

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