Ensino, paisagem e patrimônio ferroviário: a memória escolar contrária à perda das referências da comunidade

Vagner Luciano de Andrade

Art. 1º – A memória das paisagens de entorno de escolas públicas mineiras e suas nuances precisa ser resgatada. Educandários são pequenos palácios do saber frutífero e da memória coletiva. Este texto versa brevemente sobre a história da Escola Estadual Carmo Giffoni, antigo Grupo Escolar da Estação Jatobá, no sudoeste da Capital. Em mais de cinco décadas de ensino escolar, houve significativa perda das referências pretéritas da comunidade local. Um resgate urgente se empreende revisitando “trens” do passado. Em 16 de dezembro de 1964 foi aberto à Secretaria de Estado da Educação do Estado de Minas Gerais, um crédito especial de Cr$ 8.084.240,40 (oito milhões, oitenta e quatro mil, duzentos e quarenta cruzeiros e quarenta centavos), através da lei nº 3.312, para pagamento de despesas de exercícios dos anos anteriores. Parte do crédito especial seria direcionada ao Senhor Enésio Belotti com intuito de quitação do aluguel de um prédio direcionado para as atividades didático-pedagógicas das Escolas Reunidas da Estação do Jatobá. Dessa quantia total de Cr$ 8.084.240,40, o valor de Cr$ 54.000,00 pagaria o período retroativo de 1º de abril a 31 de dezembro de 1962. Tratava-se de uma pequena unidade educativa rural, sem instalação própria, direcionada ao atendimento dos discentes de uma vila ferroviária adjacente às instalações da Estação do Jatobá.

Art. 2º – Construída e inaugurada em 1925, nos confins da Fazenda do Jatobá, seria uma Parada dos futuros trens de subúrbios que chegariam até o Barreiro, vindos do Horto Florestal. A estação e a vila foram descaracterizadas cedo, evidenciando descaso para com a paisagem ferroviária, a memória da estrada de ferro e o patrimônio cultural herdado dos trens. O esqueleto da cobertura da plataforma continua abandonado no mesmo lugar onde as casinhas ferroviárias foram descaracterizadas. Desconhece-se a data de construção do prédio abandonado, cuja inauguração ocorreu em 22 de junho de 1925 no km 619,746 da Linha. Esse abandono resultou em parte da urbanização significativa pela qual a Fazenda do Jatobá, em Belo Horizonte sofreria a partir dos anos de 1950. A escola cresceu mais esqueceu seu legado pretérito. Os parcelamentos de solo geraram inúmeros bairros a oeste da Cidade Industrial de Contagem com ampliação das demandas educacionais. Escolas combinadas foram transformadas em grupos escolares e muitos prédios tiveram que ser construídos ou ampliados. Pequenas escolas rurais dariam lugar a grandes prédios direcionados ao atendimento de uma demanda cada vez mais crescente. Assim, os técnicos representantes da Secretaria de Estado de Educação transformariam em Grupo Escolar, as Escolas Combinadas da Estação do Jatobá. De acordo com o decreto nº 10.142, de 29 de novembro de 1966, assinado por Gerson Brito Mello Boson e por Israel Pinheiro da Silva, respectivamente, o Secretário de educação e o Governador das Minas Gerais.

Parada do Jatobá (Acervo Gutierrez L. Coelho/via Estações Ferroviárias do Brasil)

Art. 3º – O Grupo Escolar do Jatobá era administrado pelo Quadro B da secretaria sediada em Belo Horizonte. O decreto nº 10.539, de 07 de junho de 1967 deu denominação de Carmo Giffoni ao Grupo Escolar da Estação do Jatobá, conforme assinaturas deferidas por Israel Pinheiro da Silva e José Maria Alkmim. A comunidade adjacente se ampliara com transformação da Colônia Rural do Jatobá em Bairro Parque Jatobá. A nova denominação, porém apresentava o rompimento histórico da comunidade da Estação do Jatobá para com a linha do Paraopeba operada pela Estrada de Ferro Central do Brasil durante cinco décadas (1925 -1975) e posteriormente comandada pela RFFSA por 21 anos (1975-1996). Atualmente cogita-se o uso futuro dos trilhos para linha de trem metropolitano em direção ao Município de Ibirité, com a construção de estações nas proximidades dessa região, hoje denominada Itaipu. Na página em branco do livro do esquecimento, a escola e a comunidade local desconhecem o passado. Mas a educação não pode se furtar ao papel da guardiã da memória e da identidade coletiva.  Professores de ciências, geografia e história lancem suas sementes no âmago da coletividade envolvendo alunos, comunidade e funcionários. Embarque neste trem, e preciosidades pretéritas outrora esquecidas serão reencontradas. Estaríamos no Reino Perdido do Beleléu como nos diria Maria Heloisa Penteado?

Art. 4º – A estação do Jatobá integrava a extensão da linha férrea do Paraopeba, assim denominada por seguir o leito do rio do mesmo nome, e foi construída em bitola larga, possivelmente para suavizar o tráfego de trens entre BH e Rio de Janeiro. A linha do Paraopeba, partindo de Joaquim Murtinho, foi aberta em 1914 até João Ribeiro e em 1917 até a Capital. Com isso se estabelecia a ligação direta, sem baldeações entre as duas capitais. É desta época, do tráfego de trens de passageiros entre o Rio, capital federal, e Belo Horizonte, o famoso Trem Vera Cruz. A locomotiva de passageiros circulou até 1979, quando depois de rápidas experiências de reativação, foi inviabilizada e definitivamente extinta. Sua existência na memória dos mineiros ainda é um ícone, porém corre risco de ser apagada. Urge, entretanto ações imediatas para o resgate educativo desta história ímpar da cultura mineira. A Estação apagada da paisagem rural nos rincões do Barreiro denuncia o trato atual para com a memória ferroviária. Diante da passividade coletiva, o passado é rapidamente demolido, e educadores nem se dão conta. A lindíssima estação General Carneiro, próxima a BH, foi demolida, ato que ocorreu com a grande maioria das demais estações por todo o estado, quando da privatização em meados da década de 1990. Do Estado de Minas Gerais, a situação se repete em outros cantos do país. Hoje, a ferrovia é continuamente operada por duas concessionárias, a FCA e a MRS, que movimentam intensamente trens de cargas.  Linhas passam pela zona de mineração do Centro da mineiridade, o Quadrilátero Ferrífero, rumo aos rincões do mundo globalizado. Assim, a paisagem ferroviária é, portanto, um legado indispensável à preservação da memória coletiva e do patrimônio cultural. Estações, vilas e casarios devem ser considerados pequenos palácios da identidade dos brasileiros e, sobretudo dos mineiros. Palácios de reviver o passado, a partir de um tempo sempre presente, de janeiro a junho, de junho a dezembro dos próximos 2019 anos vindouros. Em MG, Terras da Igualdade, da Liberdade e da Fraternidade e também dos Horizontes Belos para o Brasil sem fim. Assim, conclui-se que o ensino escolar enquanto elo protagonista da Liberdade deve se antecipar a perda das referências ferroviárias da comunidade, quando esta se formou a partir dos trilhos do trem. Este trem, digo Decreto entrará em vigor na data de sua publicação. Revogam-se as disposições em contrário, de norte ao sul, do leste ao oeste.

Para saber mais

Manifesto pede por ferrovias e avanço na mobilidade urbana sobre trilhos – Mobilize

Estação de Jatobá – Estações ferroviárias do Brasil

Crianças de escolas públicas escrevem livro sobre ferrovias – Paranashop

No Reino Perdido Do Beleléu é um livro infantil, indicado para as idades de 9 e 10 anos – Guta Rocha


Imagem de destaque: Trem cargueiro parado no pátio de Jatobá, provavelmente anos 1950 (Acervo Jorge A. Ferreira/via Estações Ferroviárias do Brasil)

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