Enfim, matriculado! – Parte 2

João Dimas Nazário*

março de 2018

Naquele dia, ao voltar para casa de mãos dadas com sua mãe, perguntou: “A senhora será minha professora, mãe?” Ela parou um instante, abaixou-se olhando em seus olhos e lhe disse: “Certamente que sim, e tu serás um grande aluno. És muito esperto, já sabes ler muita coisa, e escrever, também. Não terás dificuldade em aprender o que te será ensinado. Mas, lembre-se, já não serás mais o filho da professora, serás aluno, terás que te comportar como aluno, entendeu?” As palavras de sua mãe o deixaram meio confuso, pois como não ser o filho se ela era sua mãe? Como tinha ainda o que aprender se já sabia ler, escrever, fazer continhas de somar e diminuir? Seguiram o caminho para casa, saltitando de felicidade.

E o fim do ano estava chegando. Todos ansiosos para saber quem passaria de ano ou ficaria em recuperação. Para quem passava direto já acabavam as aulas em novembro, mas quem ficava em recuperação tinha aula até meados de dezembro. A turma do primeiro ano quase toda passou direto para o segundo. Mas tiveram aqueles que ficaram em recuperação e que não conseguiram passar para o segundo ano. Era uma coisa um pouco estranha, uma vez que todas as crianças estudaram o ano todo, fizeram suas tarefas, sabiam ler, escrever, somar, diminuir… Ele não entendia.

Um dia indo para casa perguntou pra sua mãe: “Mãe, por que o Beto, a Ana e a Catarina ficaram na primeira série? Eles sabiam ler e escrever, não é?” Sua mãe parou, abaixou e dessa vez se sentaram na mureta da casa de Dona Geni: “Filho, eles só sabem fazer isso, não entendem o que fazem. Quando você for pra escola vai perceber que umas crianças aprendem mais rápido que outras. Que algumas crianças precisam ficar novamente no mesmo ano para que aprendam mais”. Olhos arregalados, mãozinhas no bolso do avental branco de sua mãe, falou: “Não entendo, mas então tá. Eu vou ser um menino bem ladino, eu gosto de estudar, eu gosto de livros, cadernos, lápis, borracha. Eu gosto de tudo isso. Mãe, eu vou ter uma caixinha de lápis de cor só pra mim?” A alegria de seu filho a emocionou. Então ela pegou sua mãozinha, segurou e disse: “Vamos, meu menino. Até lá, chove e venta.” Os dois seguiram caminho até a casa; ele, como sempre, deixando seus rastos pelo barro da estrada, arrastando seus pezinhos, num frenesi de criança.

E o fim do ano letivo chegou. A escola estava sem barulho de crianças, pois a maioria delas já estava de férias. As professoras se reuniram para avisar os pais daqueles que seriam reprovados. Não havia choro de ninguém, parecia que repetir de ano para aquelas crianças e seus pais era algo normal, como se no ano seguinte fossem aprender muito mais. Para ele, era algo muito estranho: “Será que não precisavam copiar mais nada do quadro, pois já tinham tudo no caderno? Será que tinham que ler todo o livro do Barquinho Amarelo novamente? Será que irão escrever na areia da praia, desenhar os barcos, as canoas, as árvores, tudo novamente?” Para ele era  muito difícil de entender, mas também achava tudo aquilo uma maravilha, pois iriam passar novamente, iriam brincar muito mais com os amigos; iram passear na praia e escrever na areia, fazer continhas.

Chegou o fim! Todos estavam de férias. Era muito calor. As crianças se encontravam na praia, nas ruas, no pátio da escola, nos campos, nas dunas, nos quintais de suas casas, mas o lugar preferido no verão era nadar até os barcos, depois tomar banho de mar na “Lajinha da Bibia”. As crianças pequenas ficavam por ali mesmo, as maiores iam tomar banho na “Laje de Cação” e as maiores ainda, as de 10, 12 anos já iam mergulhar na “Pedata”

No verão, todos se encontravam: os que estudavam pela manhã e os que estudavam à tarde. O ponto de encontro era no rancho do seu Alberto, que apelidaram de “Sete”, mas não se sabe o porquê desse apelido. As crianças, de todas as idades, se encontravam ali depois do almoço, esperando o sol baixar um pouco para curtirem as delícias do mar.

O verão do ano de 1977 foi o mais longo de todos. A ansiedade de ir para escola como aluno o deixava muito inquieto. O tempo parecia não passar. O horizonte, que refletia nas águas do mar, parecia guardar segredos e ele queria confessar: férias, acabem logo! Mal sabia que aquelas seriam as últimas férias de sua vida sem compromisso, sem pressa, sem ansiedade. Aquelas foram as últimas férias de sua vida em que ainda não era aluno.

O tempo passou, chegaram as responsabilidades. Enquanto isso… (continua!)


*Doutorando na linha Sociologia e História da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de  Educação Infantil na Rede Pública Municipal de Florianópolis desde 1991.

Contato: jdnnazario@gmail.com

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