ENEM justo: uma ficção necessária

Aleluia Heringer

A desigualdade social é uma nódoa que impregna a sociedade brasileira e suas instituições. No sistema escolar essa mácula é histórica. Das aulas isoladas e Liceus do tempo do Império, aos Ginásios Estaduais do tempo da República, avançar no percurso escolar sempre foi uma via para alguns privilegiados. O próprio sistema produzia seus gargalos, afinal, não havia escola para todos.

A manutenção da data do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como se vivêssemos uma normalidade, tem causado perplexidade dentro e fora do meio educacional. A conjuntura que se instalou diante da quarentena impossibilitou, principalmente, aos estudantes desfavorecidos economicamente o acesso às aulas on-line. Não lhes faltam vontade e bons professores, mas, sim, banda larga, computador, um quarto, uma mesa, o silêncio, e tantos outros equipamentos básicos e condições para que consigam, minimamente, dizer que estão estudando.

Como educadores, somos responsáveis pelo distanciamento entre as palavras de ordem (o Brasil não pode parar!) e os fatos. O Brasil tem, segundo o censo de 2019, 7,5 milhões de matrículas no Ensino Médio, sendo 83,9% no sistema público de ensino, 3% na rede federal e, 12,5% na rede particular. Ao manter as datas das provas para novembro deste ano, fica dito, no subtexto, que estamos tirando as já fragilizadas chances de grande parte dos candidatos, o que confirma essa decisão como ato deliberadamente político. Opta-se por excluir.

Não iremos suprimir as preexistentes e as instaladas desigualdades dessa competição, entretanto, podemos atenuar os seus efeitos e ter regras mais equitativas, afinal, o jogo escolar já beneficia aos mais favorecidos. O sociólogo francês François Dubet (2006) diz que a sociedade perfeita e a igualdade de oportunidades não é algo realista, nem mesmo razoável, mas é uma” ficção necessária”, pois remete a uma figura de justiça. É um postulado democrático – “somos todos iguais perante a Lei”. No que se refere ao Enem é flagrantemente necessário que seja adiado. É preciso empenho político para que a competição desses “sujeitos iguais” e desses indivíduos “empiricamente desiguais”, seja a mais justa possível.


Imagem de destaque: jigsawstocker

 

 

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