Em meio à crise na educação, celebrar a história humana que “morrendo nasce e rompendo cria” – exclusivo

Ana Luiza Jesus da Costa

A Universidade de São Paulo marcou o dia do professor com protestos. A reestruturação que vem sendo promovida de maneira antidemocrática na instituição não nos deixa muitos motivos para comemorar. Em termos gerais, a condução da política educacional pelo governo do Estado de São Paulo e pelo próprio governo federal, sob a lógica do arrocho orçamentário, também não faz do dia dos professores um dia feliz. Os estudantes da Faculdade de Educação da Usp caracterizaram o cenário atual como “crise na educação” e perguntaram-se: o que nós temos com isso? Preocupados com o mundo em que vivem, para além de suas carreiras e currículos, estes jovens convidaram professores das creches universitárias, da rede estadual, da própria universidade, além de técnicos e estudantes para debater a questão.

Na ocasião, elaborei uma breve redação a partir da recomendação – um histórico das lutas populares por educação e o contexto atual. Gostaria de compartilhar este escrito com os leitores do “Pensar”. Não cheguei a fazer o histórico, difícil tarefa de síntese. Preferi refletir sobre o lugar do conhecimento histórico e também dos educadores e futuros educadores em tal contexto crítico.

Partir do título tão bem dado por eles ao debate – Crise na educação: e a FEUSP com isso? me pareceu a melhor forma de situar a exposição. Uma pergunta fundamental, porque marca a tendência, em nossa paradoxal sociedade de massas e indivíduos mais ou menos atomizados, à indiferença ou sensação de impotência diante de problemas “macro” como “a crise na educação”. Mas, numa Faculdade de Educação é preciso ir além do domínio de saberes técnicos para a atuação profissional específica e poder pensar projetos, políticas, histórias, que não deixam de impactar nossa prática cotidiana. Se a crise na educação em geral, e na Usp em particular, não é percebida como algo que nós professores-estudantes e estudante-professores devemos nos ocupar, eu me pergunto, o que merece nossa ocupação?

Para falar sobre o histórico das lutas pela educação e o contexto atual, prefiro partir da segunda metade da sentença. E, no contexto atual, estaria posta a crise. Mas, em que ela consistiria? Respondendo de forma apressada diria: em cortes nos orçamentos para educação da União e dos Estados/Municípios, enquanto as instituições financeiras aumentam seus lucros. Na crise, os governos estão muito preocupados em serem bons pagadores.

Enumero alguns destes cortes a partir de dados retirados da Agência Brasileira de Notícias e do Jornal El Pais para materializar um pouco isto de que falo. No plano federal o corte foi de 19% do orçamento de 2015 em educação (9,4 bilhões de reais). O que significou cortes: em 70% das verbas PROAP (pós-graduação); em políticas como PRONATEC e Ciência sem Fronteiras; nos programas de formação de professores como PIBID, PARFOR; no projeto de expansão de creches (parceria do governo federal com municípios), entre outros.

Na cidade de São Paulo há uma demanda de 106.000 crianças por creche. Das 243 creches previstas para serem construídas, 147 sairiam do papel em 2016. Já no Estado de São Paulo, o corte foi de 5% do orçamento para educação (2 bilhões de reais). As respostas vieram em forma de greves dos profissionais da educação: Universidades Federais; Rede Estadual de São Paulo; Rede Estadual do Paraná; Rede Municipal de Goiás, entre outras.

Como a crise da “Pátria Educadora” nos leva ao histórico de lutas pela educação? É que educação e luta, ou, melhor dizendo, educação – povo – e luta, nunca estiveram separados em nossa história. Da mesma forma, desde a constituição de nosso Estado Nação soberano, a pátria teve maior ou menor pretensão de ser educadora. O entrave para tão nobre intenção tem sido, de forma recorrente, identificado como a escassez de recursos materiais. Assim, desde cedo (a primeira lei de obrigatoriedade de educação é de 1835, na província de Minas Gerais), foi imposta a obrigatoriedade escolar, mas não o direito à educação. Este aparece, pela primeira vez, na constituição de 1934. Enquanto o dever do Estado de oferecer educação só aparece em 1969. Apenas em 1988 a educação fundamental se tornou direito subjetivo do cidadão.

A conquista do direito se deu com muita luta. Seria difícil fazer um histórico de todas elas. Há uma série de pesquisas em história da educação que investigam iniciativas populares tanto reivindicativas como de criação de suas próprias escolas. Iniciativas, muitas vezes, ligadas a movimentos sociais como movimento abolicionista, operário, camponês, movimento negro, de bairros, de cultura e educação popular, comunidades eclesiais de base, movimento estudantil, de profissionais da educação, etc.

Para representar o papel das lutas por educação que vêm de longa data, separei trecho de um abaixo-assinado de 1870, feito por moradores de área suburbana na Província do Rio de Janeiro, que, curiosamente (guardada as devidas proporções) faz lembrar situação atual, em que o governo do Estado de São Paulo pretende reestruturar a rede de ensino fechando uma série de escolas.

Nós abaixo assinados, chefes de família, habitantes do Saco da Jurujuba e Várzea, sabendo que se trata da supressão da escola do sexo feminino desta localidade, único benefício que esta desditosa população recebe do Governo, é de nosso dever levar ao ilustrado conhecimento de V. Exa. que neste lugar existe número mais que suficiente de meninas para a conservação de uma escola pública, e que se muitas deixam de frequentar assiduamente, não quer isso dizer que seus pais as tenham retirado da escola, mas sim que suas posses não permitem que suas filhas frequentem com a precisa assiduidade, porém, contudo, não deixam de frequentar quando podem. Apenas alguma medida do governo que facilitasse aos pais mais necessitados os meios de ao menos poderem (entreter?) a frequência de suas filhas nas escolas, sob qualquer condição, mesmo no sentido obrigatório, o estado da instrução sairia do abatimento em que jaz, e se tornaria em breve agradável e florescente. Mesmo assim, garantimos a V. Exa. que existem neste lugar mais de 18 meninas que podem frequentar a aula com assiduidade, independente de qualquer favor que o Governo possa conceder (Abaixo-assinado dirigido ao Presidente da Província do Rio de Janeiro, 1870. Fundo Presidentes de Província do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro).

Ações como esta compõe um quadro de experiências no longo caminho percorrido até a educação escolar se tornar direito social. Mas este direito não está garantido. Esse processo de lutas e conquistas não é linear e, necessariamente, progressivo. Daí a necessidade da resistência – conservação de direitos adquiridos e avanços, para imprimir à educação, em todos os seus níveis, as marcas de um projeto popular e realmente democrático.

As lutas se refazem de acordo com o contexto vivido. As escolas que temos precisam ser muito melhoradas em diversos aspectos, mas a luta, agora, (no caso da reorganização proposta pelo governo de São Paulo) é para que permaneçam abertas. Assim como nossa universidade tem um monte de problemas, mas o momento é de brigarmos para conservar grande parte de sua estrutura.

Esses momentos críticos trazem também possibilidades: estudantes da educação básica mobilizados, certamente refletindo e agindo por uma escola que, no embate com o governo, reconhecem como “sua escola”; comunidade universitária que, na luta contra o processo de desmonte da Usp vai reconhecendo e explicitando os efeitos de uma estrutura hierárquica e anti-democrática. Assim é que a crise poderia abrir espaço não para reformas pseudo-modernizadoras e reorganizações que não mudam nada, mas para transformações mais profundas e necessárias que, no caso da Usp, só consigo ver a partir de uma estatuinte livre, democrática e soberana. Se parece contraditória a ideia de termos na crise um momento de possíveis avanços, queria encerrar celebrando as contradições ao compartilhar o texto do saudoso Eduardo Galeano, publicado em seu Livro dos Abraços.

Celebração das contradições/1

Como trágica ladainha a memória boba se repete. A memória, viva, porém, nasce a cada dia, porque ela vem do que foi e é contra o que foi. Aufheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemão. Aufheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem à história humana, que morrendo nasce e rompendo cria.

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