Em defesa da Política, da Educação Política

Alexandre Fernandez Vaz

“Com uma arma na mão eu boto fogo no país
E não vai ter problema, eu sei, estou do lado da lei”
(Fê Lemos, Renato Russo).

A democracia está entre as ideias e práticas mais desacreditadas no Brasil. Suponho que tão depreciada quanto ela entre nós, só a ciência, uma questão para ser debatida em outro momento. Que nosso pouco apego à ordem democrática seja tão evidente, só faz reforçar o quanto a tradição autoritária permanece. Último país ocidental a extinguir formalmente a escravidão, golpes sobre golpes em nossa trajetória política, a falta de uma ruptura real com o passado não republicano, duas ditaduras, não mais que dois presidentes eleitos que, depois da última delas, conseguiram chegar ao final de seus mandatos. Convivemos, estamos lamentavelmente acostumados com o autoritarismo e a violência historicamente naturalizados entre nós.

Considero a questão democrática no Brasil um dos mais importantes desafios para a Escola e para a Universidade pública. Ambas precisam ser democratizadas – o que passa pelo acesso a elas, mas não só –, da mesma forma que também devem educar para a política, no caso da primeira, e responderem, ambas, a um projeto de construção democrática igualmente fora de seus muros. Não é fácil, mas é necessário, e tal urgência se mostra cotidianamente.

Nos últimos dias temos visto um espetáculo aterrorizante, cujo conteúdo histórico é a entrada de centenas de venezuelanos, diariamente, pela fronteira de Roraima. É de terror que se pode falar porque quem abandona o próprio país às pressas e no desespero – diferentemente dos que o deixam para desfrutar do butim em paraísos como o Panamá – está geralmente com tanta angústia que já é da ordem do risco permanente a própria sobrevivência. O teatro de horrores se acentua pela perseguição que refugiados vêm sofrendo de milícias e “cidadãos de bem” do estado do Extremo Norte em que, não por acaso, a extrema direita tem presença eleitoral mais significativa.

Considero os direitos de refugiados algo inquestionável, de forma que o país deve recebe-los. Uma democracia não pode negar asilo humanitário (a ditadura de Vargas impediu que várias famílias judias desembarcassem). Isso valeria em qualquer circunstância, mas há ainda o agravante de que o Brasil pouco ou nada fez em relação ao descalabro institucional do país vizinho, a não ser suspendê-lo, em ato de estupidez diplomática, do Mercosul. Destaque-se que tampouco os governos progressistas que tivemos agiram bem em relação à Venezuela, principalmente depois da ascensão de Nicolás Maduro. É vergonhoso que forças políticas importantes se calem frente ao desastre perpetrado pelo atual governo venezuelano e, ao contrário, façam um tipo de crítica que evoque, de forma desleal, a autonomia do país. O atual governo venezuelano não é democrático, tampouco socialista, mas liderado por um demagogo que já não consegue enfrentar as pestilentas oligarquias venezuelanas, aquelas cujo poder foi diminuído durante a presidência de Hugo Chaves.

O governo brasileiro agora passa a tratar da questão em Pacaraima como tem costumado atuar nas crises de segurança, acionando as Forças Armadas. A justificativa para os ataques paramilitares e agora para a atuação oficial é a de sempre, quando se trata de preconceito, agora na forma de xenofobia: há cidadãos venezuelanos cometendo crimes. Deve haver, mas o problema é isso justificar o arbítrio contra o estrangeiro, alguém que está, por natureza, em situação de inadequação.

Se a militarização da sociedade não é propriamente uma novidade por aqui, ela alcança um patamar que ainda não tinha sido visto desde que Fernando Henrique Cardoso suprimiu os ministérios militares e criou o da Defesa, chefiado por um civil. Esta situação só foi alterada há poucos meses, quando o atual mandatário do Planalto nomeou um militar para o posto máximo da Defesa.

Mas tudo pode piorar, e eis que surge um candidato histriônico, com propostas para militarizar a educação, dar salvo conduto para matar, que incentiva (ao contrário de todas as recomendações de segurança) que se reaja a assaltos, que insulta minorias, que se mostra completamente despreparado para governar, que parece, com sua violência verbal e gestual, ter muito medo. Observe-se que não se trata de desqualificar as forças militares, necessárias para qualquer país no mundo, desde que bem preparadas, profissionalizadas e voltadas às clássicas tarefas que lhe dizem respeito, o que não inclui a segurança pública. A ser sempre criticada é a militarização da sociedade, a extinção da ação política, que é feita com palavras e não com armas. Isso como se já não bastasse o declínio da política ao se colocar a economia em seu lugar.

É impactante, mas não surpreendente, que haja identificação com uma candidatura racionalmente insustentável. A fragilidade política costuma levar à adesão irrefletida, ao conforto que parece trazer uma figura paternal não a interditar, mas a liberar qualquer tipo de expressão de ódio, ressentimento, preconceito. Não por acaso, o riso, a galhofa e o escárnio, além do golpe sobre a mesa e o grito, são estratégias corriqueiras.

O bom combate deve ser travado pela democracia e contra o autoritarismo, pela radicalização da política, não de sua pantomima. Precisamos da Escola, da Universidade. E elas, da Democracia.

Ilha de Santa Catarina/Chapecó, agosto de 2018.

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