Eleições na Universidade: exercício de democracia?¹

Alexandre Fernandez Vaz

 

Vivenciei as primeiras eleições para reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) quando ainda era estudante, no período chamado de transição democrática. De lá para cá, mais de perto ou mais de longe, vi todas e de algumas tomei parte nas campanhas. Na verdade, refiro-me à consulta pública aos três segmentos da comunidade da UFSC, em proporção de um terço para o alunado, o corpo docente e os técnicos. O resultado tem sido respeitado pelo Conselho Universitário (CUn), que referenda o resultado alcançado. Isso é feito na forma de uma nova eleição, interna aos conselheiros, ritual necessário porque diz a lei que a lista tríplice a ser enviada para o Ministério da Educação deve ser indicada pelo CUn. Trata-se de exercício ficcional, uma vez que o resultado já é de antemão conhecido. De posse das indicações, o Ministério tem confirmado a composição eleita em primeiro lugar. O resultado da consulta pública, portanto, sempre prevaleceu na UFSC.

Estamos, neste momento, com uma campanha eleitoral em curso. Antes mesmo de o semestre letivo começar, os candidatos já estavam na rua (ou na internet o que parece dar na mesma hoje em dia, mas talvez não dê). Dois deles foram concorrentes ao último pleito, no final de 2015, quando foi eleito o professor do Centro de Ciências Jurídicas, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o outro é o atual reitor, cujo mandato começou há pouco, eleito pelo CUn em função da morte do reitor e do afastamento, por licença de saúde, da vice-reitora. Talvez se possa dizer que o grosso das tendências políticas da UFSC esteja representado pelos três postulantes, que aglutinam em torno de si interessados ativos e espectadores.

A disputa pela reitoria acontece após um período muito difícil para a instituição, que viu há poucos meses alguns de seus professores serem presos, outros levados em condução coercitiva, em operação da Polícia Federal chamada de Ouvidos Moucos. Um dos detidos pela operação foi o então reitor. Solto no dia seguinte, impedido de voltar à reitoria, e mesmo com severas limitações legais para entrar no Campus Universitário, Cancellier, não sem antes escrever uma peça de defesa contundente, publicada pelo jornal O Globo, cometeu suicídio. É difícil medir a extensão do abalo que todo o processo causou na UFSC, mas é certo que em período de tantas incertezas, ele veio somar-se à atmosfera de desamparo e falta de orientação política.

As campanhas não têm sido como as outras, com o atravessamento de ruas e praças da UFSC, laboratórios e salas de aula. Ou seja, não se vê, ao menos não maciçamente, distribuição de panfletos, enxurrada de depoimentos, disputas fraticidas por visitações e likes nas redes sociais, festas de diversos tipos – seja para arredar recursos, seja para seduzir grupos, principalmente de alunos –, caminhadas em manada com camisetas de uma candidatura, adesivos autocolantes nas roupas de trabalho. Tampouco se viu até agora o festival de cumprimentos, de falsa paciência frente às reivindicações mais estapafúrdias, de abraços e de tapinhas nas costas distribuídos pelos candidatos. O clima de corrida eleitoral que nos é tão familiar não está tão presente nesta eleição, talvez porque não haja clima para isso. Menos mal, já chega o festival de atrocidades que é uma campanha eleitoral para os cargos legislativos ou executivos a que teremos que aturar – e participar – nos próximos meses.

Não sei o quanto tal disputa eleitoral é boa para a Universidade. É certo que em um país com experiência democrática tão precária, e com um espírito republicano ainda por ser construído, qualquer outra forma de escolha do reitor seria arbitrária, com forte risco de acabar sendo resultado de posição autoritária. O perigo de uma nomeação tecnocrática é enorme, já que interessaria, discursivamente, as tais competência e capacidade de gestão. Ou, ainda pior (se é que é possível), a escolha de um afiliado partidário dessa ou daquela base governamental (conheci uma universidade federal, em passado não muito remoto, que tinha como reitor um candidato a deputado recém derrotado). Por outro lado, o reitor não é um prefeito, tampouco é bom para a instituição que a cada quatro anos se dispute o poder que, frequentemente, é alvo das corporações. Uma Universidade democrática não deveria ser aquela necessariamente governada por um reitor eleito por todos, mas a que cumpre seu papel social no incremento da democracia. Uma democracia que se sustentasse na participação mais efetiva da população na ordem das coisas, inclusive as da Universidade, é o que poderíamos almejar. Isso seria, em sentido enfático, politizar o debate e a ação.

Mas não é assim no Brasil. Nele a Universidade Pública não é uma instituição protegida como patrimônio da sociedade e parte da política de Estado, mas alvo de ressentimento e ou da indiferença de distintos governos, culpada por gastos e não depositária de investimentos. Nesta situação, seguidamente o reitor tem de defender a Universidade contra o governante de plantão,o que é possível somente se ele for eleito pela comunidade interna. Se não há continuidade e estabilidade democráticas no país – e de fato não há –, melhor mesmo eleger alguém que possa assumir o comando das trincheiras, já que do outro lado o fogo não é propriamente amigo.

Hannah Arendt escreveu que quando verdade e política têm a pretensão de encontrar-se, a tirania espreita. Então, nada menos democrático do que um Rei-Filósofo. A política é o lugar da aposta, do debate, da diferença, da opinião, do acordo. A Universidade, como qualquer outra instituição pública, não está isenta da política. Mas, que precisemos da disputa eleitoral na Universidade Pública para nos sentirmos em uma democracia, é mostra de nossa fragilidade, não de nossa maturidade política.

La Plata, República Argentina; Ilha de Santa Catarina,março de 2018.


¹ Bruna Avila da Silva, Ione Ribeiro Valle, Marcus Aurélio Taborda de Oliveira e Luciano Mendes Faria Filho leram versões deste texto e seus comentários e críticas ajudaram a minimizar seus problemas. Ao mesmo tempo, me emularam ao debate. Sou muito agradecido.

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