Educar a Polegarzinha na nova democracia do saber

Roberto Rafael Dias da Silva

 

Para aqueles que acompanham minhas elaborações mensais para o Pensar a Educação em Pauta, neste semestre tenho procurado compartilhar leituras que me permitem estender um olhar sensível e crítico acerca da escolarização de nosso tempo. Damásio, Morin e Mason – por caminhos distintos e heterogêneos – já estiveram em debate neste espaço de reflexão e de abertura a novas discussões. Para esta semana, buscarei uma aproximação com Michel Serres, em sua última obra, qual seja: “Polegarzinha: uma nova forma de viver em harmonia, de pensar as instituições, de ser e de saber”, cuja tradução em nosso país foi publicada pela editora Bertrand Brasil.

Como é de nosso conhecimento, Michel Serres foi um dos principais filósofos do final do século XX e daqueles que tiveram a ousadia de reinventar seu próprio pensamento. Para além das tradições clássicas – “autoestradas”, como ele argumentava – suas elaborações procuraram construir percursos alternativos (e mestiços) para as questões contemporâneas. São inúmeras as produções filosóficas desenvolvidas pelo autor; mas, gostaria de salientar a lógica do “terceiro instruído” – um trocadilho que nos leva a pensar caminhos intermediários para os dilemas do pensamento moderno: entre o tradicional e o futurista, entre o humanista e o cientista ou entre a técnica e a humanidade.

Serres ainda tematizou questões ambientais, história e epistemologia das ciências e a educação. Em torno da educação gravita a sua última obra – Polegarzinha – que comentarei neste texto. O seu ponto de partida é que o contexto em que educamos mudou radicalmente nas últimas décadas: as cidades cresceram, a vida urbana predominou sobre a rural, ampliou-se a expectativa de vida e os nascimentos podem ser programados. Os estudantes que experimentam essa nova condição ainda convivem com culturas diferentes e narrativas existenciais cada vez mais plurais.

É como se estas novas crianças e adolescentes acessassem ao mundo de forma distinta: mais tempo de exposição às mídias, mais entretenimento, outras formas de atenção, outros modos de acessar os conhecimentos e de organizá-los. Diferentemente de seus pais, não serão “datilógrafos”; mas, experimentarão o mundo pelos polegares.

É de outra forma que escrevem. Foi por vê-los, admirado, enviar SMS com os polegares, mais rápidos do que eu jamais conseguiria com todos os meus dedos entorpecidos, que os batizei, com toda a ternura que um avô possa exprimir, a Polegarzinha, o Polegarzinho.

Acompanhando as provocações do filósofo francês, poderíamos pensar sobre a capacidade da Polegarzinha para inventar novos laços sociais, visto que – em nosso tempo – parece estar desprotegida. Em termos institucionais e formativos, três questões são apresentadas: “o que transmitir? A quem transmitir? Como transmitir?”. Com Serres, poderíamos refletir sobre as mudanças na própria história da pedagogia – da escrita à imprensa – e reposicionar os programas formativos com o advento de novas tecnologias, visto que “tudo tem de ser refeito, tudo tem de ser reinventado”.

E a escola? Como pensar a inteligência humana na interface com as máquinas? Seria o fim da era do saber? O tema do pensamento – em novas telas e interfaces – conduz nossa reflexão para uma “reviravolta da pedagogia”, reinventando as relações entre a oferta de saber e a demanda por experiências. Em tais condições, o próprio auditório universitário – forma predominante de nossas cátedras – pode ser redescrito em termos pedagógicos. Isso se justifica, porque “agora distribuído por todo lugar, o saber se espalha em um espaço homogêneo, descentrado, de movimentação livre”.

Para concluir, tal caracterização da educação da Polegarzinha nos distancia de uma defesa da escola clássica e de certo ufanismo tecnológico, provocando-nos a pensar em uma “terceira instrução”. Isto é, uma zona mestiça em que “o compartilhamento simetriza o ensino, os cuidados, o trabalho, a escuta acompanha o discurso, o reviramento do velho iceberg facilita a circulação nas duas vias do entendimento”. Com Michel Serres, as novas formas de educar coadunam-se com a nova democracia do saber, em que a formação individual se consolida na mestiçagem engendrada pelo compartilhamento. Novas provocações seguirão nos acompanhando a partir desta leitura e, com isso, aguçaremos nossas ferramentas críticas e criativas para interpretar a escolarização contemporânea.


Imagem de destaque: Reprodução/ Bertrand Brasil

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