Educação permanente em saúde mental na perspectiva psicossocial: desafios

Dirley Lellis dos Santos Faria*

Celina Maria  Modena**

A Atenção Psicossocial situa a saúde mental no campo da saúde coletiva e se caracteriza por um conjunto de práticas cujo arcabouço teórico-técnico e ético-político caminha na direção da superação do manicômio. Compreende o processo saúde-doença como resultante de processos biopsicossociais complexos, que demandam uma abordagem interdisciplinar e intersetorial, com ações inseridas em uma diversidade de dispositivos comunitários e territorializados de atenção e de cuidado (Oliveira e Caldana, 2014).

Os espaços de produção do cuidado em saúde mental passaram a ser cenários de produção de novos saberes onde os trabalhadores experimentam desconfortos diante de realidades distintas do que aprenderam na formação e buscam novas propostas, num processo de Educação Permanente em Saúde- EPS (Santos e Nunes, 2014). Identifica-se, aqui, EPS como o processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho – ou da formação – em saúde em análise, que se permeabiliza pelas relações concretas que operam realidades e que possibilita construir espaços coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano (Ceccim, 2005).

Assim práticas emancipatórias, como incentivo à liberdade, o direito à própria voz, à cidadania, à autonomia do indivíduo em sofrimento mental são balizadoras da EPS. Ela tem sido vista como forma de garantir o atendimento às necessidades dos usuários, de intervenção institucional, de cuidado do trabalhador, como transmissao de conhecimentos formalizados e como produção de conhecimento à partir da reflexão da prática.

Verificamos que ainda há uma falta de conexão entre as instituições formadoras e o SUS. Pesquisas mostram que essas instituições apresentam ações insuficientes para melhorar os cuidados de saúde mental, concluindo que a formação dos profissionais precisaria ser continuamente revista de modo a adequar às necessidades dos usuários. Os avanços do saber e da prática em SM, não foram acompanhados par e passo pelo conhecimento científico (Girade, Cruz e Stefanelli, 2006; Delgado, 2015). A fragilidade da formação dos trabalhadores vem sendo apontada como um dos fatores que dificultam a sustentação do modelo psicossocial.

O modelo de Atenção Psicossocial exige nova forma de se pensar a educação em saúde. A primeira autora desse texto em sua tese de doutorado intitulada “Trajetória de Formação dos Trabalhadores em Saúde Mental de Betim/MG: experiência de Educação Permanente em Saúde”, que será defendida em julho de 2020,  no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto René Rachou, FIOCRUZ-MINAS, em parceria com Celina Maria Modena, pesquisadora do Grupo de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Instituicão, enfatiza a importância de uma política para a formação dos trabalhadores do SUS. A proposta da pesquisa foi compreender e analisar criticamente o processo de produção de conhecimentos e de educação permanente. Para Gadamer (2002) compreender pressupõe tanto a crítica e a contestação do que se estagnou quanto o reconhecimento e a defesa das ordens estabelecidas.

Entendemos que para a sustentação da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS é necessário também o fortalecimento da EPS,  problematizando cada vez mais o cuidado, integrando teoria e prática, num processo reflexivo para além do sintoma e da medicalização. A integração dos serviços da SM com o território exigirá que a EPS alcance sua potencialidade como uma estratégia de produção de novos saberes e de transformação em ato.

Para que se possa enfrentar os desafios que não se cansam de repetir e sempre retornam trazendo o cheiro rançoso dos velhos manicômios é necessário que esse processo de reflexão seja permanente e que a academia propicie espaços para tais construções de saber.

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.

 

Referências:

ALVES, Haiana M.C.; DOURADO, Lidiane B.R. ;  CÔRTES, Verônica N.Q. A influência dos vínculos organizacionais na consolidação dos Centros de Atenção Psicossociais. Ciência & saúde coletiva. Rio de janeiro, v. 18, n.10, p. 2965-2975, 2013.

CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41–65, 2004.

DELGADO, Pedro G. Limites para a inovação e pesquisa na reforma psiquiátrica. Physis. Rio de Janeiro, v. 25, n.1, p. 13-18, 2015.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índices. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

GIRADE, Maria G.; CRUZ, Emirene M.N.T.; STEFANELLI, Maguida C. Educação continuada em enfermagem psiquiátrica: reflexão sobre conceitos. Revista da  escola de enfermagem da USP. São Paulo,v. 40, n.1, p.105-110, 2006.

KODA, Mirna Y.; FERNANDES, Maria I.A. A reforma psiquiátrica e a constituição de práticas substitutivas em saúde mental: uma leitura institucional sobre a experiência de um núcleo de atenção psicossocial. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1455-1461, 2007.

OLIVEIRA, Thaís T.S.S.; CALDANA, Regina H.L.Práticas psicossociais em psicologia: um convite para o trabalho em rede. Pesquisas e práticas psicossociais. São João Del-Rei, v. 9, n. 2, p. 184-192, 2014.

* Doutoranda do Programa de Saúde Coletiva da Fiocruz Minas

** Pesquisadora da Fiocruz Minas


Imagem de destaque: Manifestação do Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Rio de Janeiro 2018. Foto: Fernando Frazão/ Ag Brasil

 

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