Educação moral e cívica – triste memória

Alexandre Fernandez Vaz

Há poucos dias, diante de mais uma absurda afirmação do Presidente da República, cuja imagem esbravejando era enquadrada na televisão, uma pessoa que conheço há muitos anos lamentava que estivéssemos sob a direção de Jair Messias. Comparava-o a presidentes anteriores, elegantes e com postura, como dizia. Citou, a propósito, e como era de se esperar, Fernando Henrique Cardoso, mas, também, para minha surpresa, João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último general que ocupou a cadeira presidencial, já nos estertores da ditadura civil-militar.

Figueiredo foi aquele militar da Cavalaria que disse preferir o cheiro dos equinos ao do povo, e que, perguntado por uma menina sobre o que faria se recebesse mensalmente o salário mínimo então vigente, respondeu que daria um tiro no coco. Foi ademais protagonista de um evento que chamou a atenção para cidade em que vivo, Florianópolis, conhecido como Novembrada, em 1979, ao lá ser muito vaiado em pronunciamento na varanda do Palácio do Governo, descer à rua para seguir com a agenda e enfrentar populares e universitários. O saldo final da contenda incluiu, além dos conflitos de rua, a prisão de quatro estudantes da UFSC, enquadrados na Lei de Segurança Nacional, depois julgados e absolvidos por um Tribunal Militar.

Em poucas semanas, o evento supracitado completará exatas quatro décadas. Naquele mesmo ano de 1979, eu frequentava uma escola católica em que padres progressistas, embalados pela opção preferencial pelos pobres do Vaticano II e pela Teologia da Libertação promoviam uma agenda política entre os alunos. Neste contexto, algumas das mais fortes tensões se davam na disciplina Educação Moral e Cívica, a EMC. Nela aprendíamos os símbolos nacionais, era obrigatório saber o hino nacional, eventualmente debatíamos algo que se suponha ser um problema brasileiro. Em uma dessas ocasiões, em um grupo de três crianças, fizemos uma crítica – muito ingênua, pueril – ao general de plantão no Planalto. Foi minha primeira experiência de censura política.

Quando o atual Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno, declarou durante a campanha presidencial do ano passado que a disciplina Educação Moral e Cívica deveria voltar a ser ministrada na escola, vi que havia no ar não apenas revanchismo, mas também um projeto que deveria retomar aquelas linhas que predominaram entre 1964 e 1988, linhas que ficaram às vezes adormecidas, mas que não morreram.

De qualquer forma, não foi sem alguma surpresa que li há poucos dias sobre o aniversário de cinquenta anos da instituição da obrigatoriedade do ensino de Educação Moral e Cívica no espaço escolar, por meio do Decreto-lei 869, publicado no Diário Oficial da União em 15 de setembro de 1969. No jornal Folha de São Paulo de dois dias depois, era possível ler que “De acordo com a Junta Militar, o decreto-lei tem como finalidade a defesa do princípio democrático, ‘através da preservação do espírito religioso, da dignidade e do amor à liberdade com responsabilidade, sob inspiração de Deus”.

Naquele ano do Decreto-lei 869 – no anterior havia sido decretado o Ato Institucional número 5, o golpe dentro do golpe, como o caracterizou Élio Gaspari –, a política estava suspensa, bastando já que houvesse militares não eleitos no poder – ou até mesmo uma Junta Militar que substituísse um Presidente eleito. Quando não há política, como sabemos, temos violência.

A retórica do Decreto, como facilmente se pode notar, é muito semelhante à que atualmente escutamos diuturnamente na voz do Presidente e de alguns de seus assessores. Também hoje somos bombardeados, em um país formalmente laico e objetivamente multirreligioso, por discursos não seculares. Como se não fosse suficiente o anúncio de uma ideologia do gênero, fantasiosa e produtora de pânico, ela seria, ainda por cima, coisa do capeta. Mas há também a liberdade com responsabilidade, que faz lembrar das correntes afirmações segundo as quais o professor não teria liberdade total em sala de aula. Liberdade com responsabilidade significa falta da primeira. Toda liberdade se estrutura nas relações sociais, ou não é disso que se trata. Sendo assim, simplesmente agir conforme a desconsideração com os outros, ignorando o que Kant chamou de razão privada e razão pública, não é exercício de liberdade, mas de autoritarismo e, no limite, de violência. Liberdade adjetivada é não-liberdade.

Os tempos são duros. E não é com a Educação Moral e Cívica que as coisas vão melhorar, tampouco com as escolas civis-militares, que é a resposta governamental ao falso problema do Escola sem Partido.  Detlev Claussen destaca o défice de secularização deste século como um dos grandes problemas a serem intelectualmente enfrentados. A última ditadura brasileira não precisou chegar ao nosso presente para reforçar sua teocracia da violência, adiantou-se em algumas décadas. O atual governo coloca em movimento tudo isso, em ritmo que parece até mais vertiginoso. E com insuperável vulgaridade.

Imagem de destaque: Marcos Corrêa/Agência Brasil

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