Educação, gênero e suicídio

Gabriel Fernandes Rodrigues

Atualmente, o suicídio é considerado um problema de saúde pública, dado sua alta incidência em todo o mundo. Pesquisas estatísticas apontam que as taxas de ideação e de tentativas de suicídio são muito maiores na população trans do que na população cis, de modo que “não ser heterossexual e/ou cisgênero constitui um fator de risco para o autoextermínio”.

Apesar dos dados alarmantes, é necessário atentar-se para não criar uma causalidade falaciosa entre o maior risco de suicídio com a identidade de gênero e/ou a sexualidade. Tal causalidade naturaliza o problema, ao mesmo tempo em que internaliza as causas do suicídio no interior da pessoa que o comete, numa espiral de patologização essencialista e individualizante. Desse modo, cria-se uma ideia de que o simples fato de ser uma pessoa trans já é, por si só, um fator de risco para o suicídio. Pense no impacto de uma afirmação dessas para uma pessoa que está passando por uma transição.

Não levar em consideração o contexto no qual são produzidas essas mortes gera uma psicologização do comportamento suicida, que passa a ser entendido enquanto um problema que reside no interior do sujeito, uma espécie de predisposição para o autoextermínio. Nesse sentido, o suicídio aparece como um traço característico de certas populações, por exemplo, como um traço inerente da personalidade de pessoas trans, configurando-se ao mesmo tempo como uma natureza e um destino. O sofrimento, fenômeno existencial comum a todas as pessoas, torna-se equivalente a transtorno mental, e as políticas de prevenção resumem-se a tratar (leia-se medicar) o paciente com comportamento suicida, o que é importante, mas não é suficiente.

De fato, o risco existe, e é maior em populações vulnerabilizadas, mas isso não se deve ao fato dessas pessoas pertencerem a um determinado grupo, mas sim à forma como esta população é tratada. Como revela a campanha da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra, 2018): “Pessoas trans não se suicidam porque são trans, elas se suicidam porque o resto do mundo não as trata como se fossem pessoas”. Os fatores de risco nesse sentido passam a incluir também as violências, a exclusão sistemática de espaços sociais e o aniquilamento físico, moral e simbólico a qual boa parte da população trans está submetida. Diante disso, podemos nos perguntar: como gerar promoção de vida? Quais vidas merecem ser promovidas? Quais vidas são consideradas vidas?

Em diversos países, programas oficiais de prevenção do suicídio são ministrados nas escolas, visando capacitar alunos e professores para identificar os sinais de risco de autoextermínio nos estudantes, demonstrando que a escola pode ocupar um lugar de destaque na construção de uma lógica de prevenção. Porém, como podemos pensar a prevenção do suicídio de pessoas trans nesse espaço, se essa população é sistematicamente excluída do mesmo?  De acordo com dados da Antra (2022), 72% das mulheres travestis e transexuais não possuem o ensino médio, dados que revelam um processo que podemos chamar de expulsão, em vez de evasão escolar, na medida em que a Escola não é um espaço que permite a esses jovens serem quem são.

Nesse sentido, a prevenção, seja na escola ou nas políticas públicas, não pode estar desconectada da realidade dos sujeitos. É necessário reconhecer que o racismo estrutural, a gordofobia, o capacitismo, o preconceito e a discriminação contra a diversidade sexual e de gênero são fatores de risco significativos para o suicídio, portanto, precisam ser combatidos.

Pensar na prevenção do suicídio é esperançar possibilidades criativas e diversas de oferecer aos indivíduos outras formas de enfrentamento das dificuldades ou patologias que os levam a buscar, no autoextermínio, uma solução para seu sofrimento. Efetivar estratégias de promoção de bem-estar, de inclusão, de combate à fome, pobreza, desemprego e as opressões também é prevenir o suicídio, bem como garantir um sistema de saúde universal e gratuito. A prevenção é possível, mas precisa ser cotidiana e ligada, sobretudo, à criação da possibilidade de uma existência digna e autêntica.

Sobre o autor
Psicólogo Clínico, Especialista em Gestalt-terapia e Análise Existencial pela UFMG, mestrando em Psicologia Social pela UFMG, membro do nuh – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+.

Para saber mais
ANTRA. (2018). Precisamos falar sobre o suicídio das pessoas trans.

ANTRA. (2022). Dossiê dos ASSASSINATOS e da violência contra TRAVESTIS e TRANSEXUAIS brasileiras em 2021.

Baére, F. (2019). A mortífera normatividade: o silenciamento das dissidências sexuais e de gênero suicidadas.

Orozco Villa, E. O. (2021). El suicidio en disputa: aproximación crítica a la asociación entre suicidio y sexualidades no heteronormativas


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