Educação, entretenimento, autoritarismo: ainda sobre a malfadada votação – exclusivo

Alexandre Fernandez Vaz

No penúltimo domingo, contrariando minhas inclinações e desafiando fuso-horário e bom senso, assisti à sessão da Câmara dos Deputados que aprovou o que a comissão especial antes indicara, o impeachment da presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Não apenas vi deputados se revezando freneticamente ao microfone, aproveitando a garantia da transmissão em rede nacional para fazer proselitismos diversos e poses verbais para seus supostos eleitores, como acompanhei debates e comentários, deixando-me levar, não sei bem, por um impulso um tanto masoquista, alguma incredulidade que me colocava em inércia, ou ainda por simples e pura letargia frente ao que se passava. No interminável descalabro, pontificava o deputado Eduardo Cunha como mestre de cerimônias, o que por si só já desacreditava completamente a mise-en-scène.

Quem vez ou outra acompanha as transmissões de atividades na Câmara Federal ou no Senado, ou que já conviveu com políticos profissionais, não deveria se espantar com o volume de estultices, com o ridículo das manifestações ao votar, com o oportunismo atroz. O legislativo brasileiro funciona assim, ainda que isso seja, de certa forma, cortina de fumaça para encobrir ações e obstruções que, como se sabe, nem sempre estão a favor da nação.

Foram muitos os comentários na imprensa que na semana passada destacaram o caráter bizarro, vergonhoso, da votação pelo impedimento, dedicando-se a mostrar que boa parte dos votantes desconsiderava o objeto, as tais “pedaladas” fiscais, razão pela qual, supostamente, a presidente deveria ser afastada. Também neste Pensar diversos colegas se dedicaram, entre o espanto e à consternação, passando pela boa crítica, ao tema.

No entanto, gostaria de insistir em um ponto, que é, finalmente, o que permite, entre outros elementos no complexíssimo Brasil, que personagens como Paulo Maluf, Tiririca e Jair Bolsonaro, só para citar três exemplos, frequentem o parlamento. Trata-se da macabra fusão entre autoritarismo político e entretenimento. Todos os políticos são atores, podemos dizer, em especial desde que a exposição midiática tornou-se decisiva para as pretensões eleitorais. Senão, vejamos.

Maluf é conhecido de longa data, pelo menos desde quando foi prefeito de São Paulo nomeado pela ditatura. Encolhido eleitoralmente nos últimos tempos, refugiou-se no aconchego de um cargo de deputado, que ele renovará por quanto tempo tiver de vida ainda, se quiser. Como há pouco afirmava, em seu caso nem campanha é necessário fazer, basta dizer que é candidato. De fato, a retórica reacionária de Maluf parece encontrar eco naquele eleitorado que se sente representado por uma figura autoritária, paternalista, que aparece como solução para medos difusos e soluções imediatamente estúpidas, como mais viadutos e truculência policial. Maluf teria mudado de posição, já que apoiaria Dilma – como antes, aliás, apoiara Fernando Haddad em 2012, candidato do lulismo à prefeitura de São Paulo. Por que Lula não apenas aceitou, mas deixou-se fotografar saudando Maluf na casa desde o Jardim Europa, em São Paulo? Por mais tempo de televisão para seu candidato.

Bolsonaro despontou como líder da crítica ao governo e ao petismo, com seu teatro bem ensaiado que nada tem de espontâneo, um bufão às avessas. Ao assumir retórica homofóbica e machista, e catalisar grande quantidade de itens da mentalidade reacionária e mesmo fascismo, incluindo os partidários de um golpe militar, foi aplaudido em manifestações pela deposição da presidente. Sempre desafiando a democracia ao na prática arguir o seu “direito” de dizer o que pensa, ultrapassou todo e qualquer limite ao elogiar um torturador pouco antes de declarar seu voto.

E Tiririca? O antes palhaço, agora deputado pelo Partido Republicano, fez sua primeira manifestação em plenário para votar a favor do impeachment de Dilma. Segundo se pôde ler na imprensa brasileira, teria prometido a Lula que o voto seria outro, o que ele nega. Não sei o que é pior: a suposta mudança de voto de Tiririca ou contar com ele para o presente da República. Na verdade sei, e não é de “traição” que a coisa se trata.

Atores canastrões, caricaturas de si mesmos, por que alcançam o estrelato político, com votações estrondosas? Porque a retórica e a gesticulação de cada um encontram eco em muitos eleitores, evidentemente. De uma forma ou de outra, cada um deles oferece uma resposta, ainda que vazia, a demandas que são nossas. Se nos identificamos com a galhofa niilista de Tiririca, com os arroubos de Maluf e com a desfaçatez de Bolsonaro – e não somos poucos a simplesmente aplaudi-los ou a dizer que “não concordo com ele, mas… neste momento ele tem razão!”, então é porque há algo de muito ruim na nossa formação política. A democracia passa pela capacidade de resistir, mesmo lá onde a coisa parece apenas engraçada, inocente, verdade absoluta. Ou ainda, quando ela nos apazigua porque se tem a sensação que uma autoridade superior nos protege de nossa própria covardia. A Educação devia prestar mais atenção no que está não só a sua volta, mas nela mesma.

Berlim, Kreuzberg, abril de 2016.

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