Educação em Ciências: uma resposta às fake news em tempos de pandemia

Deborah Cotta

Nós brasileiros estamos convivendo novamente com a divulgação de fake news, agora sobre o coronavírus e a pandemia da COVID-19. Estamos diante de uma questão complexa que demanda conhecimentos articulados sobre vírus, epidemiologia, estatística, desigualdades sociais e outros. Um dos efeitos dessas notícias tem sido promover comportamentos que podem comprometer o controle da pandemia. Sabemos que a internet, ao facilitar o acesso, a elaboração e a distribuição de notícias, elevou significativamente a produção e a disseminação de fake news, apesar de textos dessa natureza estarem presentes em toda a nossa história. Junto a isso, encontramos a sociedade em um contexto de pós-verdade, em que conhecimento e crença são postos em um mesmo patamar. Por exemplo, o “Fique em casa” vira uma sugestão, e sujeitos podem discordar dos fatos, baseados em opiniões ou sentimentos.

Nesse contexto, têm ganhado visibilidade duas perspectivas: a de cientistas, que apresentam explicações científicas para orientar e possibilitar a compreensão dos fenômenos, e a de pessoas contrárias, que exibem informações não consideradas válidas pela ciência. Não me incluo em nenhuma dessas perspectivas. Sou uma professora pedagoga, atuo nos anos inicias do Ensino Fundamental e desenvolvo pesquisas sobre Educação em Ciências e mídias. Penso em como a Educação em Ciências pode contribuir para formar cidadãos que participem criticamente de situações como essa, e a partir daí é que proponho algumas reflexões.

Quando criança, minhas aulas de Ciências envolviam pesquisas, leitura e produção de textos sobre conhecimentos científicos. Fomos ensinados a encontrar, selecionar e apresentar dados conforme as demandas do trabalho, consultando enciclopédias e a internet, assim que ela surgiu. Porém, havia menos fontes de pesquisa e sabíamos onde buscar informações confiáveis. Hoje nós professoras muitas vezes solicitamos trabalhos semelhantes, desconsiderando as condições e preparo do estudante. Além dos conteúdos, estamos ensinando a criança a levantar e avaliar informações e a tomar uma posição com base nesse processo de pesquisa?

Na graduação, aprendi que a construção de conhecimentos científicos é um processo social, cultural e histórico. Durante o mestrado, estudando a aprendizagem de crianças em aulas de Ciências, pude conhecer como métodos, etapas e contextos são importantes para a compreensão sobre ciências e sobre conceitos científicos. Criamos oportunidades para que a criança entenda que conhecimentos encontrados nas fontes são resultado de um processo investigativo?

Com o resultado da minha pesquisa, foi possível evidenciar como deixamos as crianças se relacionarem de forma espontânea com as mídias e esperamos que, para além do entretenimento, elas construam compreensões no plano da aprendizagem de conhecimentos disciplinares. Será que nós adultos também interagimos com as mídias apenas no âmbito do entretenimento, não dirigindo àquilo que vemos, reflexões, compreensões e elaborações de outros pontos de vista como o científico, o social ou o político?

Coloco-me então a pensar como nós profissionais da educação podemos reconhecer lacunas e aprimorar práticas docentes e políticas educacionais. O ensino de Ciências deve promover a educação científica para a mídia, o que envolve preparar os estudantes para conhecer conteúdos e conceitos científicos e, mais importante, conhecer o processo investigativo e social de construção de tais conhecimentos.

Não domino conceitos específicos da área de virologia, por exemplo. No entanto, compreender que os conhecimentos científicos necessários para combater esta pandemia vêm sendo investigados e construídos contribui com meu posicionamento frente às notícias. É para isso que devemos formar nossos estudantes: para serem capazes de questionar e perceber as fake news e desconfiar delas, ainda que não dominem conhecimentos do ponto de vista conceitual.

Aproveitemos este momento para problematizar o papel e o lugar da ciência na sociedade, desconstruindo seu caráter supremo e inquestionável. Nunca antes o trabalho dos cientistas teve tanta divulgação e ênfase. Podemos ver como o conhecimento científico exige esforços de pesquisa e investigação e emprega pessoas em diálogo na proposição de hipóteses e testes. Isso demanda tempo, recursos e outros conhecimentos já elaborados e constantemente revistos pelos(as) pesquisadores(as) para que as ciências sigam buscando compreender a natureza envolvidas em contextos social, histórico, político e econômico.

Por fim, essa problematização e reflexão merecem discussões e aprofundamento teóricos. Fica até aqui a importância de pensar as mídias na Educação em Ciências e ampliar as visões de uma formação que prioriza a assimilação de conteúdos para uma formação significativamente mais ampla. É tempo de valorizar as ciências, e mais, é tempo de reconhecer a importância da Educação em Ciências para todos.


Imagem de destaque: Walter Campanato / Agência Brasil

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