Educação: Direito ou Privilégio?

Heitor Novaes

No começo das respostas à pandemia do COVID-19 no Brasil, em Março deste ano, as escolas foram uma das primeiras instituições fechadas como meio de prevenção da propagação do vírus. Nesse mesmo contexto, dois meses depois, parece que quase nada mudou no que diz respeito ao ENEM 2020.

O calendário das provas permanece o mesmo. As inscrições, Inclusive,  começaram essa semana, no dia 11 de Maio. Como se nada estivesse acontecendo, o Ministro da Educação Abraham Weintraub se recusa a cogitar o adiamento da prova. Chegou inclusive a justificar as não-medidas dizendo que a maioria dos que fizeram a prova no ano passado não estavam cursando o ensino médio.

Mesmo que este fosse um argumento válido, visto que desconsidera a situação de uma grande parte dos vestibulandos em relação à prova que é o principal meio de acesso ao ensino superior público, é irresponsável ignorar a situação de acesso a conteúdos, mesmo desses candidatos fora do ciclo escolar. A questão se torna ainda mais grave se levarmos em conta que, em 2017, mais de 70% dos alunos no Brasil eram da rede pública. Esse dado consequentemente se inverte no ensino superior, onde a maior parte desses alunos de escola pública, dos que conseguem fazer um curso de graduação, o fazem em universidades particulares.

A desigualdade social em nosso país se apresenta por várias facetas. Muitas delas refletidas diretamente na educação. Por exemplo, enquanto os alunos estão sem aulas presenciais por uma questão de saúde pública, colégios privados colocam seus professores para se contorcerem e subitamente se tornarem professores EAD. Até há tentativas de que a escola pública chegue aos alunos de alguma forma. Dois exemplos são as teleaulas da rede estadual de Minas e as aulas online no Paraná. No entanto, o EAD, tratado de modo emergencial e sem um cuidado prévio, apenas dá de cara com o obstáculo já conhecido da desigualdade. Seja colocando servidores da educação em risco, ou na desigualdade estrutural no acesso à internet.

Isso porque, como muitos outros aspectos em nosso país, o acesso à internet, e por consequência a grande parte dos meios de informação, no Brasil, está intimamente ligada à classe social. Sabemos por exemplo que, em 2018, enquanto nas classes D e E o acesso era de apenas 40% das residências, nas classes B e A o acesso chegava a 94% e 99% respectivamente. Nesta mesma esfera, a porcentagem de acesso por residências na área rural era de 44.

Fonte: TIC DOMICÍLIOS

Somado a isso, mesmo com esses dados já aterradores, não podemos nos limitar apenas a essa análise. Afinal, nem sempre ter uma conexão de internet necessariamente quer dizer ter uma conexão de qualidade. Dentre os números já baixos das classes D e E, 47% dessas conexões são de telefonia móvel, categoria dependente do sinal de telefonia, e geralmente com banda menor e limitada.

Fonte: TIC DOMICÍLIOS

Dessa forma, o dinheiro que sempre foi um fator determinante indireto de índices de aprovação em vestibulares, ganha ainda mais força. Ignorar todos esses fatos como se fosse normal essa discrepância entre as partes, é assumir um descaso que acentua a não democratização do acesso ao ensino e as oportunidades de acesso a um ensino de melhor qualidade. Pior, lavar as mãos para uma situação como essa é equivalente a trabalhar por uma espécie de “eugenia educacional”, aproveitando-se de uma calamidade pública para reafirmar valores reacionários pela manutenção de posições sociais pré-estabelecidas, proporcionando que oportunidades estejam  ao alcance apenas aos que já nasceram com elas.

 

 

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