Ecos de uma sala de aula

Jornal Pensar a Educação em Pauta

 

Karina Fonseca Soares Rezende*

 

Metade de minha vida escolar foi moldada em meio aos muros de escolas públicas belo-horizontinas. Uma de renome estadual e outra, militar. Uma das minhas memórias escolares mais significativas, no entanto, é anterior a minha vivência nesses dois ambientes: sou eu, em pé, em frente a uma sala de aula explicando um conteúdo do livro didático no dia que minha professora havia faltado. Dez anos de idade no máximo. A relação de aluno-professor e a confiança que é estabelecida entre esses dois sujeitos sempre me instigou bastante. Nos meus últimos anos escolares, naquela reta final onde a pressão para entrar na faculdade está em níveis alarmantes, participei de uma experiência, vivida para além da sala de aula, que acredito ter mudado minha perspectiva sobre a educação e o ensino. Uma manifestação instigada e organizada por alunos, como a que participei em prol do corpo docente do colégio onde estudava, traz consigo, em alguma medida, os ecos das falas de professores em sala de aula. Leva para fora dos muros da escola alguns aprendizados vivenciados em seus limites. Essa memória escolar ecoou ainda mais em minhas reflexões sobre a educação a partir do meu contato como professora com alunos das ocupações secundaristas de 2016.

Eu e meus colegas, alunos do 3º ano do ensino médio de um colégio público militar, vimos nossos professores serem informados de sua demissão por um órgão da própria escola antes do período previsto pelo Estado por conta da Lei 100. Foi um baque. Num período curtíssimo de tempo – de fato, de uma hora para outra – nosso último ano escolar foi desestabilizado. Naquele momento, a ação dos estudantes foi o mote para começarmos um movimento que, com toda certeza, marcou a história daquele colégio e de muito alunos, incluindo a minha. Grande parte dos estudantes do último ano do Ensino Médio – no qual eu estava incluída- não compareceram as aulas das semanas para manifestarem na central administrativa da rede escolar, localizada na Avenida Amazonas, via de grande circulação na capital mineira. Após vários discursos e debates, nós, os estudantes, saímos às ruas em protesto contra a demissão antecipada dos docentes.

A questão principal dessa experiência não é propriamente o resultado dela. De fato, conseguimos efetivar nossas reinvindicações e os professores foram mantidos até o período previsto. Nossa ação, um pingo no oceano dentre várias outras medidas, foi importante para a conclusão final. No entanto, o que considero mais interessante que a chegada foi o percurso que traçamos. O exercício prático da cidadania por parte desses jovens alunos de 15, 16 e 17 anos foi uma ação que trouxe para as paredes externas da escola muitas discussões propostas lá dentro. Mais do que isso, foi externalizada a relação de confiança e credibilidade que estabelecíamos com aqueles os quais chamávamos de professores.

A escolha pela docência veio antes da escolha pela História. Escolher cursar licenciatura em História foi um caminho que, no período acima descrito, eu já estava plenamente convicta. Dois anos depois, em 2016, em meio ao caos político brasileiro, não encontro a calmaria. Encontro a agitação e o fôlego de meninos e meninas, pouco mais jovens que eu que me remetiam a um dos momentos em que pude sentir o exercício da cidadania, tão discutido nas aulas de sociologia, à flor da pele. Ao ter a oportunidade de acompanhar e dar algumas aulas em algumas escolas estaduais de Belo Horizonte, pude perceber claramente que a relação de nós, enquanto alunos, e nós, enquanto professores, é permeada pelo aprendizado de conteúdos implícitos dentro de sala de aula. Ao dialogar com os alunos, era fascinante observar o “adoecimento” do discurso sobre uma memória supostamente coletiva, sobre uma tradição pré-estabelecida. Interessantíssimo observar, mais uma vez, o quanto relações saudáveis construídas com os professores dentro de sala de aula serviam como incentivo para ações cotidianas dos alunos. Ecos em minha mente afirmam, desde então: A educação escolar transcendeu, transcende e transcenderá o próprio espaço físico da escola.

 

* Graduanda em História pela UFMG – kaa.rezende@gmail.com

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Ecos de uma sala de aula

Karina Fonseca Soares Rezende*

 

Metade de minha vida escolar foi moldada em meio aos muros de escolas públicas belo-horizontinas. Uma de renome estadual e outra, militar. Uma das minhas memórias escolares mais significativas, no entanto, é anterior a minha vivência nesses dois ambientes: sou eu, em pé, em frente a uma sala de aula explicando um conteúdo do livro didático no dia que minha professora havia faltado. Dez anos de idade no máximo. A relação de aluno-professor e a confiança que é estabelecida entre esses dois sujeitos sempre me instigou bastante. Nos meus últimos anos escolares, naquela reta final onde a pressão para entrar na faculdade está em níveis alarmantes, participei de uma experiência, vivida para além da sala de aula, que acredito ter mudado minha perspectiva sobre a educação e o ensino. Uma manifestação instigada e organizada por alunos, como a que participei em prol do corpo docente do colégio onde estudava, traz consigo, em alguma medida, os ecos das falas de professores em sala de aula. Leva para fora dos muros da escola alguns aprendizados vivenciados em seus limites. Essa memória escolar ecoou ainda mais em minhas reflexões sobre a educação a partir do meu contato como professora com alunos das ocupações secundaristas de 2016.

Eu e meus colegas, alunos do 3º ano do ensino médio de um colégio público militar, vimos nossos professores serem informados de sua demissão por um órgão da própria escola antes do período previsto pelo Estado por conta da Lei 100. Foi um baque. Num período curtíssimo de tempo – de fato, de uma hora para outra – nosso último ano escolar foi desestabilizado. Naquele momento, a ação dos estudantes foi o mote para começarmos um movimento que, com toda certeza, marcou a história daquele colégio e de muito alunos, incluindo a minha. Grande parte dos estudantes do último ano do Ensino Médio – no qual eu estava incluída- não compareceram as aulas das semanas para manifestarem na central administrativa da rede escolar, localizada na Avenida Amazonas, via de grande circulação na capital mineira. Após vários discursos e debates, nós, os estudantes, saímos às ruas em protesto contra a demissão antecipada dos docentes.

A questão principal dessa experiência não é propriamente o resultado dela. De fato, conseguimos efetivar nossas reinvindicações e os professores foram mantidos até o período previsto. Nossa ação, um pingo no oceano dentre várias outras medidas, foi importante para a conclusão final. No entanto, o que considero mais interessante que a chegada foi o percurso que traçamos. O exercício prático da cidadania por parte desses jovens alunos de 15, 16 e 17 anos foi uma ação que trouxe para as paredes externas da escola muitas discussões propostas lá dentro. Mais do que isso, foi externalizada a relação de confiança e credibilidade que estabelecíamos com aqueles os quais chamávamos de professores.

A escolha pela docência veio antes da escolha pela História. Escolher cursar licenciatura em História foi um caminho que, no período acima descrito, eu já estava plenamente convicta. Dois anos depois, em 2016, em meio ao caos político brasileiro, não encontro a calmaria. Encontro a agitação e o fôlego de meninos e meninas, pouco mais jovens que eu que me remetiam a um dos momentos em que pude sentir o exercício da cidadania, tão discutido nas aulas de sociologia, à flor da pele. Ao ter a oportunidade de acompanhar e dar algumas aulas em algumas escolas estaduais de Belo Horizonte, pude perceber claramente que a relação de nós, enquanto alunos, e nós, enquanto professores, é permeada pelo aprendizado de conteúdos implícitos dentro de sala de aula. Ao dialogar com os alunos, era fascinante observar o “adoecimento” do discurso sobre uma memória supostamente coletiva, sobre uma tradição pré-estabelecida. Interessantíssimo observar, mais uma vez, o quanto relações saudáveis construídas com os professores dentro de sala de aula serviam como incentivo para ações cotidianas dos alunos. Ecos em minha mente afirmam, desde então: A educação escolar transcendeu, transcende e transcenderá o próprio espaço físico da escola.


* Graduanda em História pela UFMG – kaa.rezende@gmail.com

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