EAD: O que precisamos saber?

Heitor Novaes

Com a pandemia de COVID-19 e a consequente quarentena que se fez necessária, vários setores de nossa sociedade foram afetados. Não seria diferente a situação da educação no país e no mundo. Com metade dos estudantes do mundo sem aulas por conta do isolamento, certas questões vêm à tona. Um exemplo é a Educação a distância.

Recentemente, o MEC autorizou que as instituições federais de ensino  substituam as aulas presenciais por aulas à distância durante o período de contenção. Em resposta à medida, algumas universidades federais, como a UFMG, foram contra adotar as aulas online. O principal argumento contrário é a impossibilidade de garantia de que todos os alunos terão acesso ao conteúdo por não terem acesso à internet. No entanto, também há outros tipos de questionamentos, como por exemplo se há, nessa modalidade, que cresceu tanto ao longo da última década, perda na qualidade do ensino se comparado às aulas presenciais .

 

Fonte: Censo Digital EAD

Em meio a tantas dúvidas sobre possíveis consequências, (boas ou ruins?) de uma ação tão importante como essa, decidimos ir ao cerne da questão para entender primeiramente o que é e como funciona a Educação a Distância (EAD). Para isso, pedimos ajuda ao professor da Faculdade de Educação da UFMG, Eucídio Arruda, doutor em Educação e especialista na gestão da Educação à Distância. Para o pesquisador, “a Educação a Distancia é uma modalidade de educação, que prevê metodologias bem específicas para o seu desenvolvimento, e não apenas o uso de tecnologias de comunicação.Ouça mais:

 

Diferente de boa parte do mundo, um país como o Brasil tem um cenário, em geral, mais propício que o comum para a Educação a Distância. Nosso país é o 5o maior do mundo no tamanho territorial. Mas em contrapartida, somos o 160o (centésimo sexagesimo) em densidade populacional. Isso quer dizer que a população brasileira é bastante dispersa ao longo do território nacional, o que dificulta o acesso aos maiores centros urbanos, ou consequentes polos acadêmicos. Em relação a isso, o professor Eucidio diz que “com certeza a Educação a Distância é uma modalidade muito importante num país como o Brasil, sobretudo devido a suas dimensões continentais e das diferenças regionais que nós temos em relação a infraestrutura física de escolas. Não somente isso, nós temos um outro grande elemento que é favorável a oferta de educação a distância no Brasil que é aquela que diz respeito a quantidade de alunos que nós temos hoje que estão fora do seu tempo de aprendizagem. Então nós temos um percentual significativo de jovens e adultos que perderam aquele tempo regular que é uma entrada entre 17 e 19 anos na universidade, que hoje tem 25, 30 anos, trabalham e não se veem em condições de se deslocar cotidianamente para o trabalho e para a universidade física para um curso superior. Dentro dessas condições sociais e econômicas que são colocadas no país, a oferta da educação a distância é muito importante para garantir uma melhoria da qualidade da formação dos nossos jovens, da quantidade de tempo de formação médio da população, e por conseguinte, termos um país com melhor educação.”

É importante observar que apesar destas características de maior acessibilidade à Educação a Distância, o Censo EAD 2018 mostra que tal acessibilidade, que poderia ser algo a ser trabalhado em conjunto com este aspectos de nosso país, ainda não reflete na Educação a Distância no país.

Fonte: Censo Digital EAD 2018

Com base nas instituições respondentes ao censo, mais de 60% das matrículas EAD no país correspondem às regiões Sudeste e Sul, com a região Sudeste em 1o e com uma porcentagem de matrículas quase duas vezes maior que o 2o colocado.

Um dado que poderia ser animador para a modalidade educacional, é que de 2008 a 2018, o acesso a internet pela população brasileira passou de 34% a 70%. Vale notar que, a maioria esmagadora desses acessos, porém, são provenientes de smartphones, o que não impede, mas pode indicar que as pessoas ainda não fazem uma associação direta desse tipo de aparelho com uso para estudos. Esses dados nos mostram então que essa maior conectividade não foi suficiente para uma maior democratização do acesso ao ensino superior através destes aparatos.

Fonte: TIC domicílios

Além disso, ainda há uma problemática que envolve uma espécie de preconceito em relação a ensino ministrado a distância. Principalmente na área da saúde. Nesse âmbito, o Censo EAD 2018 nos mostra também a divisão desproporcional, em relação às matrículas, principalmente voltadas para as áreas das humanidades. Em contraponto a isso, o professor apresenta uma perspectiva mais otimista.

Fonte: Censo Digital EAD 2018 (editado)

Outra questão que é pauta recorrente entre educadores é a educação mais democrática, ou num sentido mais amplo, uma vivência em sala de aula que proporcione que alunos e professores possam trocar experiências e evoluir em conjunto, numa espécie de estrutura horizontal. Um primeiro pensamento, com base em senso comum, nos dirá que um ensino sem um contato presencial teria dificuldades em estabelecer esse tipo de vínculo. Por isso, se faz pertinente a nós nos perguntarmos como o EAD lida com esse desafio.

 

Não seria possível deixar de aprofundar também na questão que foi um gatilho a essa discussão. Universidades particulares em todo o país tem adotado a Educação a Distância a fim de não paralisar o ciclo, medida incentivada pelo próprio MEC à rede pública.

 

A  medida no entanto teve repercussão negativa entre as Públicas. Por si só, isso gera uma disparidade no ensino intimamente ligado a classe social. Basta lembrar que ao menos 25% das vagas de universidades públicas são destinadas a alunos de baixa renda.

“Uma coisa que é importante de problematizamos é que o próprio Ministério da educação tem incentivado as universidades e as escolas de educação básica a utilizarem a educação a distância no desenvolvimento dos cursos. Eu tenho visto instituições privadas fazerem a mesma coisa, tanto de ensino superior quando de educação básica. Mas tem um elemento que é muito importante de refletirmos. Nós estamos em uma situação de crise em que grande parte da população por não ter acesso a internet de qualidade, estando em casa, sem condições de sair para procurar hotspots ou outros lugares que ela possa ter acesso, é fundamental que o estado tenha um papel, se ele quer mesmo desenvolver essa modalidade, esse é um excelente momento para ele fomentar o acesso à internet. Então seria o momento de ele negociar com as operadoras de acesso a web, tanto a cabo quanto as operadoras móveis, para criar um pacote que fosse aí, de 50GB, para cada cidadão brasileiro, ou estudante, se for o caso, para que ele tenha condições de acessar esses materiais, esses cursos ofertados pelas instituições conforme é a orientação do MEC. Então é necessário uma posição do Estado, que ele fomente esse acesso, caso contrário o que nós vamos ter é uma oferta extremamente frágil que não vai atender a todos e aí nós teremos uma qualidade fragilizada. “ afirma o professor.

Somado a isso tudo, para o professor Eucidio, um dos pontos centrais dessa discussão, prejudicial a como enxergamos e utilizamos a modalidade de ensino a distância, é o fato de como pensamos no EAD apenas em situações emergenciais, como como por exemplo, a pandemia que vivemos agora.

 

Isso gera como consequência um despreparo tanto das instituições governamentais quanto as educacionais para se lidar devidamente com esta modalidade que, queiram as pessoas ou não, se apresenta como algo inevitável no nosso futuro amplamente globalizado e conectado, ou na pior das hipóteses, confinado.


Este conteúdo é fruto de uma parceria do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil com a diretoria da Faculdade de Educação da UFMG para valorizar a produção de conhecimento da Faculdade, sendo no ensino, na pesquisa ou extensão.


Imagem de destaque: Mudassar Iqbal / Pixabay

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