Direitos Humanos, Cultura e Educação: o reconhecimento dos saberes e fazeres das classes populares

José Heleno Ferreira

O artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu inciso I, estabelece que “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de desfrutar das artes e de participar do processo científico e de seus benefícios”. Reconhecer o direito à cultura significa reconhecer que homens e mulheres são produtos da cultura na qual estão inseridos e inseridas e, ao mesmo tempo, produtores e produtoras de cultura.

Ao contrário dos demais animais, o ser humano cria seu próprio mundo, sua própria realidade, sendo condicionado pela realidade que cria. A possibilidade de romper com a alienação e alcançar a liberdade é uma das marcas significativas da educação popular e da educação em Direitos Humanos. Nesse sentido, compreende-se a educação como processo através do qual homens e mulheres podem se tornar seres humanos livres, éticos, autônomos e conscientes da necessidade de contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Para isso, faz-se necessário perceber que a educação é um ato político, o que implica na negação da perspectiva de neutralidade dos processos educacionais, princípio este defendido por aqueles e aquelas que preconizam a supremacia da técnica em detrimento da construção de relações pedagógicas baseadas no diálogo, na escuta da experiência, na valorização da história de cada um e cada uma. Nesse sentido, o legado de Paulo Freire ao analisar os processos através dos quais os oprimidos assimilam a figura do opressor e, assim, alimentam o círculo vicioso de opressão é basilar para todos e todas que apostam na perspectiva da liberdade. Não se trata de combater o opressor, mas, sim, de combater, sistemática e continuamente, toda e qualquer forma de opressão!

Na América Latina – e no Brasil, mais especificamente – homens e mulheres foram subjugados e subjugadas historicamente à alienação e à opressão. Neste longo processo histórico de dominação, três questões são salientadas: a cultura do silêncio, o culto à modernização, a imagem do outro (o europeu, principalmente) como ideal a ser alcançado.

Historicamente, a cultura do silêncio impôs-se à sociedade brasileira. Durante mais de quatro séculos homens e mulheres foram escravizados e ou subjugados por senhores, coronéis e doutores, uma sociedade marcada, ainda, pelo convívio histórico com períodos ditatoriais. As tentativas, ao longo da história, de romper com esta cultura são diversas e, a partir do século XX se fazem notar nos intervalos entre uma ditadura e outra, bem como fazem-se notar também as tentativas de abafar as vozes que ousam romper com esta cultura.

O culto à modernização traz consigo o menosprezo aos saberes e às construções culturais dos setores populares. Diante de uma realidade multifacetada, de uma sociedade marcada pela diversidade étnico-racial e de gênero, diante das manifestações culturais de apreço à liberdade religiosa, à liberdade de manifestação política e de lidar com os seus próprios corpos, manifestações das quais setores da juventude são protagonistas, buscam reafirmar uma escola que negue a diferença, que prime pelo saber técnico e pelo culto à modernização sob um viés liberal e tecnicista.

Os vários séculos de colonização e dominação econômica e cultural forjaram o paradigma de negação do/a brasileiro/a e do/a latino-americano/a, negando o ser para si e afirmando o outro como ideal. Restaurar a liberdade de seres para si pressupõe reconhecer a cultura de negação dos saberes e dos seres em si para exteriorizá-la criticamente e, então, construir uma outra cultura. Este processo precisa constituir-se em um paradigma das instituições educacionais, do movimento pedagógico e dos currículos escolares.

Obviamente, a instituição escolar não pode ser responsabilizada pela construção de todas essas rupturas. Muitos são os sujeitos sociais e as instituições que podem contribuir para a construção de novas possibilidades. Mas, sem dúvida, a educação escolar pode exercer um importante papel neste processo de negação de uma cultura da opressão e construção de uma cultura da liberdade.

Lutar pela construção de uma sociedade onde caibam todos e todas, de uma educação emancipadora, de uma escola democrática, laica, inclusiva e de qualidade social é fazer jus ao legado de Paulo Freire e à luta em defesa dos direitos humanos. Acreditar nesta possibilidade é empoderar-se para dar continuidade a esta luta.

Além disso, o direito à cultura, o direito à memória e reconhecimento de sua história é também uma forma de inclusão social. A negação das culturas populares significa relegar ao esquecimento os fazeres e saberes construídos pelas classes populares. E o esquecimento, ou como diriam os gregos antigos, o léthe, é uma forma de condenação primária, ou seja, de não reconhecimento de sua existência que, por não ser reconhecida, tende a se dissipar.


Imagem de destaque: Reprodução/Carta de Belém

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