Defender o direito à educação e aos serviços públicos para pensar um outro amanhã

José Heleno Ferreira

“Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país”, diz o artigo XXI, no seu inciso II, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No momento em que estamos enfrentando uma crise política, econômica e sanitária em todo o mundo e particularmente no Brasil, com centenas de mortes diárias causadas por uma pandemia e o descaso do governo federal para com esta realidade, é salutar retomarmos o documento que estabelece os direitos fundamentais de todos os seres humanos. São direitos universais, indivisíveis e inalienáveis e expressam o esforço no sentido de construir um consenso em torno das políticas públicas para evitar o caos, a generalização da violência e do desrespeito ao outro.

Diante do cenário atual, chamam-nos atenção dois textos: A cruel pedagogia do vírus, do sociólogo português Boaventura Sousa Santos, e O amanhã não está à venda, de Ailton Krenak, ambos publicados nos últimos meses, o primeiro pelas Edições Almedina e o segundo pela Companhia das Letras. Ambos ressaltam a falência do capitalismo neoliberal e da lógica da acumulação de riquezas em detrimento das relações humanas e do respeito à natureza. São lições do tempo presente. Lições que nos são apresentadas de forma cruel, como diz o título de texto do autor português.

Entre as lições que podemos aprender com a crise política, econômica e sanitária que estamos enfrentando, a primeira e mais importante delas é a de que o capitalismo não tem futuro. Não se trata de afirmar que o modo de produção dominante no planeta está com os dias contados, mas, sim, de afirmar que esta forma de organização econômica não contribuirá para que os seres humanos sejam respeitados em sua dignidade e para a efetivação dos direitos fundamentais de todos os homens e mulheres. Outra lição importante é a negação do receituário do Estado mínimo, uma vez que apenas o poder público poderá assumir o enfrentamento da crise instaurada nesse momento atual. Nesse sentido, temos uma outra lição: o descrédito da extrema direita e da direita neoliberal.

Mas aprendemos também que as pandemias não matam indiscriminadamente e que os mais pobres estarão (e estão) mais vulneráveis ao vírus e às consequências desta crise. Ou seja, não estamos todos e todas no mesmo barco. Uma outra lição que a situação que vivemos hoje nos ensina é que o colonialismo, o patriarcado e o racismo estão vivos e podem, perigosamente, se fortalecer em momentos de crise aguda. Na realidade brasileira, diversos sinais do recrudescimento de uma postura elitista e excludente podem ser notados. O preconceito em relação aos idosos, o silêncio diante do drama vivenciado pela população carcerária e seus familiares que não têm como visitar seus filhos e filhas, companheiros e companheiras, enfim, familiares que estão presos e, mais do que nunca, exilados da sociedade em celas superlotadas, a negligência diante da realidade de milhões de brasileiros e brasileiras que vivem nas periferias, sem acesso à água potável, ao saneamento básico e em pequenas moradias nas quais convivem diversas pessoas.

É diante dessa realidade que retomamos aqui o artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que determina que todos têm direito a ter acesso aos serviços públicos do seu país. É momento, pois, de defender o direito a uma renda mínima, ao saneamento básico, à saúde, a condições de moradia e todo o suporte necessário para que possamos enfrentar um longo período de isolamento social.

E entre os direitos de acesso ao serviço público é primordial lembrarmos do direito à educação. Há que se cuidar para que a realidade ora instaurada não contribua para fortalecer propostas educacionais excludentes e elitistas, que acabam por negar o ideal de educação para todos e todas. E para além do acesso à educação há que se discutir também a necessidade de uma educação que contribua para a emancipação do ser humano, que contribua para que nossas crianças e adolescentes, as juventudes e as pessoas adultas possam se posicionar de forma crítica e autônoma diante da realidade socioeconômica, diante do contexto sócio-histórico em que estão inseridos. Uma educação que nos permita aprender as lições que nos trazem esses tempos difíceis e confusos.

Pensar, com Ailton Krenak, que o amanhã não está à venda, pensar, com Boaventura Sousa Santos, que o amanhã não está dado, pressupõe também comprometer-se com a construção do amanhã que queremos. E, nesse sentido, é importante frisar: voltar à normalidade após ter sido vencida a pandemia significará não ter aprendido as lições do vírus.

Não queremos a normalidade da fome, da miséria, do genocídio dos povos indígenas e das juventudes negras. Não queremos a normalidade da negação do acesso aos serviços e bens públicos à grande maioria da população brasileira.

Queremos um outro amanhã!


Imagem de destaque: Ronilma Santos / Ascom

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