Das normalidades escolares em tempos de distância dos abraços

Liliane Ferrari Giordani

Cristiane Back Ferreira

Desde muito antes do advento pandêmico do COVID-19 andamos as voltas com o conceito de normalidade da vida escolar, dentro ou fora de seus prédios. A partir da segunda quinzena de março deste ano, a suposta normalidade escolar entra na sua mais profunda crise com a simulação de sua extensão para dentro das casas e por tempo indeterminado. O que tenciona professores, alunos e pais no ato inusitado de criar e reinventar formas de estar remotamente sendo escola. A escola é uma invenção que transforma todos em aluno, independente de antecedentes ou origem. A família pode não conhecer seu filho como aluno. Como será essa invenção/descoberta dentro das casas, das diferentes formas de ser família? Lemos cotidianamente, nas redes sociais, apelos de famílias, de professores buscando alternativas viáveis de manter este “novo normal”.

Quem poderia se imaginar ouvindo, há um ano atrás, que chegaria um tempo que não poderíamos ter contato, ir à parques ou ir à escola. Será que acreditaríamos nisso? Nós tão seguros e tão pouco frágeis, tão atento às tecnologias ao ponto de sentar à mesa, todos com seus telefones e, o olho no olho, meio perdido. O distanciamento social nos fez ficar mais atentos, mais virtuais. Dar novos significado à sobrevivência é o que nos atravessa nesse momento dentro de casa pela necessidade de entender o que está acontecendo, pelo mínimo possível de sanidade do corpo e da mente. E nesta luta por sobrevivência, a escola com seus professores, gestores têm uma grande oportunidade de se reinventar. Perdemos as merendas compartilhadas, os abraços no recreio, as histórias de cada um, mas há (co)existência, através de recursos síncronos como: telefone, chat, vídeo conferência, web conferência entre constantes respostas, mais perguntas, mais inquietação, mais comunhão por mobilização.

A escola como corpo poroso, com suas intensidades, não pode ser traduzida ou transformada em telas de transmissão. Escola, para além de seus prédios, é uma linguagem necessária de ser compartilhada. Nesse hiato de tempo presente que estamos vivendo, precisamos estar atentos com as novas exigências da “desenvoltura de aulas online”, com a quantidade de conteúdo específico que está sendo gerado para dentro das casas. Enquanto isso, a “inovação” torna-se o sintoma de uma escola “excelente”. Para tal escola a inovação competitiva é um objetivo em si, por todas entregas que precisa fazer. A vida não parou e a escola é uma parte das vidas das famílias. Nenhum estudante poderá ser “menos aluno” quando voltar se não tiver conseguido dar conta do que a escola derivou para ele. Precisamos por demais aproveitar este momento precioso reinaugurando tempos, abrindo fronteiras com informação, reinvenção e responsabilidade, sem desconsiderar o principio da equidade que deve garantir a acessibilidade e a participação de todos.

Como gerar tranqüilidade dentro do desconhecido e deixar o silêncio doutrinador pelo som das perguntas em um momento de crise. O importante agora são pessoas e não novas ferramentas, é preciso ter liberdade para entender que o “dar conta” das demandas está “sincronamente” ligado a capacidade de aproveitar o tempo daquilo que pode ser feito e não daquilo que deveria ser feito. Uma pandemia é um surto que nos traz uma dimensão de um problema medieval ao mesmo tempo que vivemos as questões da modernidade como pobreza, as desigualdades e a necessidade de superar essas distancias sociais desiguais, e sincronia enfrentamos as questões da pós-modernidade com tecnologias, da comunicação e informação. Nesse tempo de “escola doméstica”, de um lado famílias com acesso às tecnologias enquanto outras sem acesso, essa dimensão/vertente traz à tona a valorização do professor, pois muitas famílias não possuem o domínio da área do conhecimento e das tecnologias para orientar os filhos. Esse não é o momento de a família substituir a escola, ao contrário é o momento de refletirmos sobre o impacto excessivo da cobrança, dos relatórios de aprendizagem, das entregas e dos prazos. Rever outras práticas sendo um momento de constituição de outro repertório que tenha sentido no interior da família. Pode ser que mais pessoas e profissionais, pós pandemia, poderão se sentir dando conta de suas “autorias síncronas”, como híbridos humanos-máquinas.

Desta quarentena, deste distanciamento do prédio escola, precisamos nos recompor como professores autores do que acreditamos ser aprendizagem e nos desafiar a sermos menos instrucionistas e mais mediadores do conhecimento. A possibilidade de protagonismo está em nossas mãos. Há permissões para mudanças pela radicalidade tecnológica, pela ação remota, teleguiada. Porém, muito ainda se reproduz da mesmidade de conteúdo, de repostas aos questionários disciplinadores das áreas do conhecimento. Que este tempo, que esta parada no tempo nos ensine a ser uma escola de menos tarefas e  de mais compartilhamento de idéias. Que possamos valorizar os encontros, os risos dos corredores, a chegada do professor, as rodas de conversa, o joelho ralado na quadra. Que este tempo nos ensine que na volta da escola, possamos ser mais  intensos em nossos abraços. Saudades de estarmos juntos!!


Imagem de destaque: Daniel Chekalov / Unsplash

 

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