Coronavírus, educação e necropolítica: seja bem-vindo ao governo da Nova era

Prof. Dr. Christian Lindberg

É famosa a frase atribuída à Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde diz mais ou menos assim: “meninos vestem azul, meninas vestem rosa. Estamos diante do governo da Nova era.” Não sei o porquê, mas desde o ano passado esta frase não sai da minha memória. Terça-feira, por exemplo, após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ela voltou a ecoar na minha mente.

Como se sabe, o coronavírus – COVID-19 – se alastrou pelo planeta. Governos da Ásia, Europa, África, América do Norte, América Central, Oceania e América do Sul confirmam casos de infecção e de mortes causadas pelo novo vírus, deixando um estrago na vida das pessoas, das famílias e dos estados nacionais.

No entanto, no Brasil, o atual inquilino do Palácio do Planalto insiste em dizer que o coronavírus é uma gripezinha, um resfriado, e convoca a população brasileira a voltar ao trabalho, às aulas, ou seja, sair da quarentena indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, incrível que pareça, pelo Ministério da Saúde (MS) do próprio governo federal.

O argumento principal utilizado pelo presidente é que a doença deixa infectada uma pequena parcela da população e que a economia não pode ser afetada por causa disso. Segundo ele, a tragédia econômica intervém mais na população do que a sanitária. Em outros termos, a Economia deve subordinar a vida de milhões de pessoas aos seus interesses, independentemente de elas viverem ou não.

No caso da educação, o coronavírus impôs uma mudança na rotina nas escolas e nas universidades. O Ministério da Educação (MEC) autorizou o uso da tecnologia para a aplicação das aulas à distância (EaD), em todos os níveis, da educação básica ao superior. Secretarias estaduais e municipais, universidades, rede particular de ensino, todos, de alguma forma, estão procurando se adaptar à orientação ministerial.

O curioso é que o próprio ministro gravou, no último dia 18 de março, um vídeo onde minimiza os impactos do coronavírus, promete liberar recursos via FNDE, na ordem de 450 milhões de reais, para que as escolas comprem álcool em gel, produtos de limpeza, visando a higienização dos estudantes e, principalmente, que as aulas continuem, mesmo com o coronavírus.

O MEC, ainda na semana passada, ordenou, através do ministro da educação (de acordo com a ortografia weintraubiana), que os estudantes da área da saúde, especialmente os de Medicina, Enfermagem e Farmácia, voltassem às aulas para ajudar a população no combate ao coronavírus. É, na prática, a expansão da convicção governamental de que nada deve parar, que a vida continua, com ou sem coronavírus.

Paralelamente, vimos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão vinculado ao MEC, modificar o critério para a concessão das bolsas destinadas aos programas de pós-graduação. Segundo levantamento preliminar feito pela Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), a mudança pode significar o corte de até 20 mil bolsas, impactando em todos os programas, independentemente da nota obtida nas avaliações da CAPES.

As medidas relacionadas à educação, especialmente para o ensino superior, não param por aí. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) publicou uma portaria que norteia as diretrizes da pasta para a constituição do Plano Plurianual da União (PPA), documento que normatiza os itens que devem compor o orçamento federal nos próximos anos. De acordo com o PPA 2020-2023, o MCTIC, através de suas agências de fomento (CNPq, FINEP, etc.), direcionará seus recursos para diversas áreas, excetuando as Ciências Humanas, a Filosofia, a Linguagem e a Educação.

Por fim, no pronunciamento presidencial, no dia 24/03, vimos a “cereja do bolo”. Em cadeia nacional de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro voltou a minimizar os impactos do coronavírus, relativizou as orientações da OMS e, o mais agravante, negou os fatos, convocando a população a voltar ao trabalho e às aulas.

Necropolítica pode ser entendida como “a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode e quem não pode morrer.” Para o filósofo camaronês Achille Mbembe, no ensaio intitulado Necropolítica, “matar ou morrer ou deixar de viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais.” Para Mbembe, “ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”, ou seja, “é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é.”

Ministra Damares, de fato, estamos diante de uma Nova Era. A era na qual o governo federal, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, é o principal vetor da morte. Despido de bom senso e racionalidade, temos visto, através dos órgãos federais, a indução dos brasileiros ao extermínio, seja pelo coronavírus, seja pelo estrangulamento da Ciência e da Educação brasileira.


Fonte da Imagem: Isac Nóbrega / Fotos Públicas

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