Conversas sobre a Educação a Distância “emergencial” em tempos de COVID-19

Eucidio Pimenta Arruda*

A suspensão das aulas em tempos de Coronavírus impactou toda a sociedade, não somente mães e pais, pois em tempos nos quais o trabalho garante o sustento da família, a escola cumpre múltiplas funções como garantir uma formação de qualidade, permitir uma melhor gestão do tempo de trabalho da família e infelizmente, para muitas, uma suplementação alimentar, dadas as condições de pobreza de grande parte de nossa população.

Para tornar ainda mais desafiador esse momento, são anunciadas medidas, em diferentes estados e municípios brasileiros, para tentar “salvar” o ano letivo da educação básica e superior por meio da Educação a Distância. A educação a distância é uma modalidade de educação na qual professores e alunos desenvolvem atividades didático-pedagógicas em tempos e espaços diversos, atualmente por meio do uso da Internet, computadores, smartphones, tablets etc.

Trata-se de uma modalidade de educação com ampla regulamentação federal, que estabelece normas para oferta e funcionamento e possui características próprias, distintas da educação presencial. Dentre elas eu destaco a necessidade de um trabalho intensivo e complexo de reconfiguração do ambiente escolar, com modificações na linguagem, em materiais didáticos, nas estratégias para estabelecer diálogos entre alunos e professores que culminem com uma educação de qualidade.

Ou seja, por mais que percebamos as dificuldades enfrentadas pela pandemia e as incertezas geradas, não é possível fazer apenas uma transposição rápida entre a modalidade presencial e a distância, conforme vou explicar adiante. Mas antes é necessária uma pequena explicação.

É importante observar que as modalidades são diferentes, não existe nenhum estudo científico que demonstre que a EaD possui menos ou mais qualidade do que a educação presencial. Elas são singulares, com características próprias, mas que possuem focos, direções que se encontram: proporcionar uma formação escolar sólida e de qualidade aos estudantes.

Não me cabe aqui fazer análises sobre o caráter privatista da EaD, porque ele não é específico da modalidade. No ensino superior, por exemplo, aproximadamente 80% dos alunos estudam em instituições privadas. O que posso afirmar é que onde há oportunidade de negócios lucrativos, o setor privado sempre se encontra presente. Observo, por exemplo, que na educação básica o ensino médio pode se tornar alvo desses grupos, pois não tem sido possível, em um país pobre, garantir que alunos que começam a trabalhar cedo consigam ficar na escola de forma presencial por quase o dia inteiro, já que a pretensão é de se chegar a 1400 horas, ou quase sete horas diárias de aulas no ensino médio.

Exatamente por isso é ainda mais importante que pais, professores, comunidade científica procurem realizar debates aprofundados sobre a Educação a Distância. Não é um debate para rechaçar sem estudos já consolidados. Não é um debate de afirmativas duras generalistas que temos observado, do tipo: EAD não possui qualidade, não promove socialização, é prejudicial ao trabalho do professor etc.. Qualquer modalidade pode incorrer nesses problemas, haja vista que temos acompanhado inúmeros desafios na educação básica brasileira.

Trata-se de um debate que procure estabelecer em que condições essa modalidade pode ser oferecida em um futuro, talvez não muito distante, uma vez que dados do Comitê Gestor da Internet já demonstra que mais de 85% dos jovens entre 9 e 17 anos têm acesso a Internet, cerca de 75% de uso diário e mais de 70% utilizam para realizar trabalhos escolares – claro que em condições normais, sem as restrições de circulação da atual pandemia.

Observamos que nesse momento de pandemia há uma investida para uma modificação imediata da modalidade, para que não se “perca” o ano. Há famílias que ficam preocupadas que seu filho fique “atrasado” – o que considero interessante, pois se todos estão fora da escola neste momento, não se pode falar em atrasos e similares. Há ainda a responsabilidade de mães e pais que passam a serem responsabilizados por aprendizagens escolares – condições às quais não tiveram formação e que, nessas condições, podem acarretar mais problemas do que soluções.

Apesar dos dados do CGI apontarem para esse amplo acesso, não sabemos como ele se dá em condições de quarentena, como vivemos hoje e apenas esse elemento – a falta de acesso pleno, já me permite ser contra a implantação da EaD de forma emergencial, pois a desigualdade no acesso vai gerar ainda mais desigualdade na formação dos jovens. Mesmo um gestor que pense apenas no aspecto econômico, acredito que não lhe seja interessante ter uma fragilização tão grande na formação dos jovens que pode gerar ainda mais desigualdades sociais e produtivas.

Portanto, é mais do que  necessário que o lugar que a Internet tem ocupado na vida dos jovens seja debatida por todos, pois não se trata apenas de uma questão de se colocar contra ou a favor da Educação a Distância. Não se trata de observar apenas o viés político da implementação, sabendo que ele sempre fará parte da arena pública. Trata-se de, a partir da situação que a pandemia nos colocou, termos condições de construir estruturas educacionais de maior qualidade que possam serem reconfiguradas em situações futuras.  Não há espaço para a EaD no curto prazo, mas se estabeleceu um importante momento de refletirmos sobre diferentes formas de ensinar e aprender para um futuro não muito distante.


*professor da Faculdade de Educação / UFMG

Imagem de destaque: Marvin Meyer / Unsplash

 

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