Congonhas, um cenário permeado por efemeridade e existencialismo

Vagner Luciano de Andrade

Nesta semana em que se comemoram os 280 anos de Aleijadinho, os cenários da cidade de Congonhas, ganham destaque e projeção. Patrimônio Cultural da Humanidade, o maior conjunto de obras do artista é espaço historicamente apropriado por diferentes públicos de diferentes faixas etárias. Cenário de devoção desde os tempos de Feliciano Mendes, criador do santuário, hoje é destino consagrado de turistas do Brasil e do mundo. Mas o maior destaque é certamente sua apropriação por parte de estudantes. Estudar as obras dispostas no complexo formado pela igreja, capelas, romaria e museu é entender um pouco dos recortes temporais do Brasil Colônia. Neste contexto, o barroco mineiro se dividiu em três fases: Nacional Português, Joanino e Rococó, denota aspectos múltiplos de efemeridade e existencialismo em altares e retábulos. Empreender uma visita pedagógica ao complexo é uma premissa renovadora nos conteúdos de Filosofia, História, Literatura e Sociologia.

Uma existência rápida e efêmera. Eis a mensagem maior do barroco mineiro. A modernidade foi uma série de experiências na cultura humana entre os séculos XVI e XVII: as reformas religiosas, o renascimento artístico e cultural e a revolução científica. Entende-se por Modernidade, o sistema histórico e filosófico caracterizado pela noção de progresso e ruptura com o passado. Os “modernos” se achavam melhores que os “medievais”. O pensador central da Filosofia Moderna foi o francês René Descartes, fundador da tradição de crítica aos dogmas cristãos, baseada na metodologia científica. Revogando a cultura medieval, buscaram no antropocentrismo da antiguidade clássica, fontes de inspiração. Por isso, chama-se “Renascimento”, o movimento artístico-cultural europeu que fundou a modernidade dando ao homem o papel absoluto de senhor da arte, da ciência, dos mares e da terra. E a convicção de que, por meio da razão, ele podia tudo.

Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Foto: Carlos Alberto/ Imprensa MG

A arte e estética renascentistas caracterizavam-se pelo rompimento com o teocentrismo medieval e recuperação do humanismo, ou seja, a centralidade e poder humanos. A cultura da Renascença teve como produto principal, o culto à estética greco-latina pagã. Como na cultura clássica, a arte do renascimento valorizava a nudez e a simetria das formas. Apesar de surgida no contexto histórico do anticlericalismo, a cultura artística humanista não era ateia, pois para alguns teóricos, os renascentistas acreditavam em Deus. Ao contrário do cristianismo medieval, o homem não era fonte de pecados, mas a perfeita criação divina. A formação das monarquias absolutistas e as reformas religiosas quebraram institucionalmente a Igreja Católica, enfraquecendo o Papa e fortalecendo o Renascimento. As lideranças católicas atentas ao fortalecimento e avanço do anticlericalismo renascentista e do protestantismo, se reuniram entre 1545 e 1563, na cidade italiana de Trento para delinear estratégias de reação.

A arte do Barroco europeu predominou no século XVII e registra esses momentos históricos de crise espiritual na cultura ocidental. Naquele século, por força desses acontecimentos religiosos, políticos e sociais, os valores espirituais e religiosos ressurgem, convivendo com os valores renascentistas, delineando momentos de dualismo e contradição. A contrarreforma da Igreja Católica não se deu apenas no plano político e militar, mas também artístico-cultural tendo como resposta, o Barroco, a expressão artística da indisciplina, movimento que combinou elementos técnicos da arte renascentista com a simbologia religiosa cristã. Nesse contexto, conviviam duas formas distintas de ver o mundo: de um lado, o paganismo e a sensualidade renascentistas, em declínio; e do outro, a forte espiritualidade e religiosidade que lembravam a fé e o Teocentrismo medieval.

Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Foto: Carlos Alberto/ Imprensa MG

E nas Minas Gerais, eis que o barroco se renova vestindo uma linguagem própria. Em varias cidades, desde os arraiais mineradores às comunidades agrosilvipastoris, capelas e igrejas denunciam discretamente, o modelo contraditório de sociedade vigente. Sabe-se, contudo, que parte da sociedade de tempos pretéritos que se consolidou nas Minas do Ouro em tempos de mineração colonial pode ser decodificada através das inúmeras expressões artísticas. São inúmeras formas dispostas em antropomorfos (formas humanas), fitomorfos (formas vegetais) e zoomorfos (formas animais) que evidenciam a angústia daqueles tempos. Existem muitos mestrandos e doutorandos que se debruçam sobre os códigos com intuito de decifrá-los. Quanto mais se descobre, menos se entende, esta é a sensação inicial. Atualmente, as vistas pedagógicas empreendidas no Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas, permitem a transposição didática para diferentes públicos. Assim a vista pedagógica é também um desafio no sentido de valorização e entendimento do projeto de sociedade que moldou a comunidade mineira e sua projeção no país.

Sobretudo, o destaque fica para a questão de se entender o que é o patrimônio, e qual sua importância, enquanto ícone de referência simbólica para um povo e sua nação. Visitar a igreja permite entender que numa época em que poucos eram letrados, as mensagens eram repassadas para a posteridade evidenciando as permanências e rupturas de um tempo histórico de extrema relevância para o país. As pinturas e esculturas projetavam mensagens politicas e sociais, tendo o Catolicismo como referência de projeto existencial. Hoje se vive a democracia de diversidade religiosa e outras diversidades que seriam inconcebíveis naquela época. Alunos podem assim entender através das obras, avanços e retrocessos construindo reflexões filosóficas importantes. A visita ao santuário seja por devotos, estudantes ou turistas, por fim se consolidam na preservação da história de Aleijadinho, do barroco e da própria sociedade mineira materializando-se no tempo e no espaço, enquanto patrimônio de inigualável valor.

Imagem de destaque: Regiane de Lima Dutra (2012)
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