Colômbia: A Educação como condição para a paz – exclusivo

Dalvit Greiner

Um filme sobre Oliver Cromwell, de 1970, numa cena em que o protagonista se aproxima do Parlamento inglês é interpelado por seu filho Ricardo sobre o que é aquele prédio. Cromwell responde que aquele é o lugar onde os homens conversam. Quando param de conversar, os homens guerreiam. É o princípio da Revolução Inglesa em 1640. Na semana anterior registrei, aqui neste espaço, o exercício da paciência como uma virtude democrática para o sucesso do diálogo numa Democracia. Porém, não podemos viver presos num eterno assembleísmo, pois é preciso construir a vida.

Nem numa eterna guerra. Por isso é preciso comemorar de todas as formas o Acordo Final de Paz entre o governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC. É um acordo histórico que, esperamos ponha fim a um conflito cinquentenário que matou milhares de pessoas. Para além das mortes, devemos contabilizar o atraso social provocado por qualquer situação de violência em qualquer sociedade. Numa situação de guerra o medo impede que se realize bons e produtivos trabalhos, quando não impede que se realize qualquer trabalho. O que dizermos, então, da educação que lança as pessoas para o futuro?

O Acordo Final afirma que sua conformação “contribui para a satisfação dos direitos fundamentais como os direitos políticos, sociais, econômicos e culturais, e os direitos das vítimas do conflito à verdade, à justiça e à reparação, ao direito dos meninos, meninas e adolescentes, o direito fundamental da segurança jurídica individual ou coletiva e a segurança física, e o direito fundamental de cada indivíduo em particular e da sociedade em geral, à não repetição da tragédia do conflito armado interno que com o presente Acordo se propõe a superar”.

O que mais chama a atenção é a importância dada à Educação no Acordo Final. Evidente que não se faz um acordo de paz sem se pensar no futuro da sociedade. Nesse sentido as FARC iniciam a discussão apontando para a necessidade de “fortalecer as medidas de educação não formais [com] campanhas púbicas de reconhecimento dos direitos humanos e prevenção de sua violação”. O Ministério da Educação da Colômbia já vem desenvolvendo ações pedagógicas nesse sentido a bastante tempo nas escolas do país. Agora lançou as campanhas #Adiós a La Guerra e Pinte uma Colômbia de Paz, além de várias outras campanhas envolvendo os estudantes em ações que visam a pensar uma Colômbia de paz.

O Acordo Final prevê investimentos da parte do Estado colombiano na provisão de serviços públicos para a extensão da garantia de direitos fundamentais a toda população rural afetada pela guerra garantindo o seu bem-estar integralmente. Serviços como educação não são apenas a garantia do direito ao conhecimento, mas o direito de construir a vida e a autonomia de cada cidadão. Educar-se significa, numa situação de pós-guerra, desde uma garantia integral e imediata para as crianças até um aligeiramento do processo para os jovens e adultos. Porém, ser perder a qualidade.

O item que trata da Educação Rural é abrangente exigindo e expondo os critérios necessários para a construção de um Plano Especial de Educação Rural. Só o tempo nos dirá de sua suficiência. Porém, hoje, atentam para a integralidade, a flexibilidade, a gratuidade de forma a integrar todas as crianças, jovens e adultos de maneira positivamente discriminatória no programa educacional colombiano, com a adaptação “às necessidades das comunidades e do meio rural, com um enfoque diferenciado”. Ali estão inclusos a formação técnica e profissional e a erradicação do analfabetismo no meio rural.

Se todos esses direitos já estão garantidos, em sua plenitude de direito e de fato, a todos os colombianos o Acordo Final torna-se uma grande conquista para todos os camponeses que lutaram por meio das FARC para se integrarem à Colômbia. Se não, se ainda existe uma criança, uma família, um bairro ou uma cidade onde qualquer destes direitos estiver sendo negligenciado, o Acordo Final torna-se uma conquista de todos os colombianos e não apenas daqueles que estiveram com as FARC durante todo esse tempo.

Por fim, o Acordo prevê a criação de observatórios de transparências, “com especial ênfase no controle por parte de cidadãs e cidadãos na [sua] implementação” garantindo-se a formação desses observadores nas comunidades. Três medidas deverão ser implementadas pelo Governo Nacional para promover uma cultura democrática e participativa: a promoção de valores democráticos, o fortalecimento de programas de educação para a democracia e a promoção de programas de lideranças políticas.

Destas medidas apenas a terceira me parece um contrassenso: não se pode entregar a formação de lideranças ao Governo, pois o Governo mata-as antes que comecem a pensar e agir de forma diferente. As lideranças políticas devem funcionar como críticos e vigilantes não apenas do Acordo, mas de toda a Constituição visando melhorar cada vez mais o governo e a sociedade. Para essa medida não serve uma escola comum, de formação: a formação se dará na luta que continua, diariamente. Cinquenta anos e milhares de mortos para garantir um mínimo de dignidade a todos os colombianos. Não se pode perder essa conquista. É preciso vigiar e conversar muito: para não retornarmos à guerra.


Logo depois de escrever este texto, nosso Senado aceitou a guerra civil que vivemos desde as eleições de 2014, declarando um vencedor ilegítimo e cessando todo e qualquer diálogo. É uma pena que 61 de nossos senadores sejam senis.
Dalvit Greiner – 04 de setembro de 2016, às 10h58

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