Ciência Generificada

Durante essa semana, por ocasião do Dia Internacional das Mulheres, não foram poucos os dados estatísticos divulgados e as análises realizadas que buscaram estabelecer, tanto quanto possível, a situação das mulheres no mundo. Tais dados e análises, ao dar visibilidade às posições e experiências dos homens e das mulheres nas mais diversas profissões e ocupações, contribuem para a divulgação de conhecimentos a respeito do assunto e para a criação de uma sensibilidade a respeito do tema.

De um modo geral, mas com exceções, o que se observa é que em boa parte das experiências nacionais e nas mais diversas áreas, houve certa melhoria da condição feminina e uma diminuição da desigualdade das relações de gênero claramente desfavoráveis às mulheres. De outra parte, também as análises dos dados demonstram que muito há que se avançar.

No caso específico do Brasil, são eloquentes as desigualdades entre homens e mulheres em boa parte das dimensões do mundo social. Do mundo da casa ao mundo da política institucionalizada; do mundo do trabalho à ocupação dos espaços públicos; dos esportes ao terreno da cultura, o que se observa é, quase sempre, a violência simbólica ou física praticada contra as mulheres, e o muito desigual tratamento (e pagamento!) destas em relação aos homens.

Uma das áreas em que muito precisamos avançar é, sem dúvida, a área acadêmico-científica. Aqui, sobretudo nas áreas de maior prestígio, não apenas as mulheres são em número muito menor que os homens mas, sobretudo, a elas são colocadas barreiras para o acesso aos postos mais altos das hierarquias e às posições de maior reconhecimento. Dados recentes, referentes a 69 academias de ciência de todo o mundo, mostram que apenas 12% dentre seus membros são mulheres.

A esse respeito, ainda ressoa em nossas lembranças a última edição do Prêmio Anísio Teixeira, outorgado pela CAPES, em 2011, aos cientistas brasileiros que contribuíram para o avanço da ciência e da educação no país, por ocasião da celebração de seus 60 anos em que, dentre os cinco agraciados com a honraria, não havia nenhuma mulher, assim como não havia ninguém da área de ciências humanas e sociais. 

Há que se reconhecer, de outra parte, que por causa da grande desigualdade a favor dos homens na ocupação dos cargos de direção dos órgãos de fomento à pesquisa e, mesmo nas associações e academias de ciência, importantes iniciativas foram tomadas, na última década, tanto pelos órgãos públicos quanto pelas instituições de representação acadêmica, para minimizar o problema. Há, hoje, iniciativas tanto no âmbito das agências de fomento, como o CNPp, a CAPES e as FAPs, quanto da SBPC e da ABC, que buscam enfrentar o problema.

No entanto, no âmbito da ciência, assim como no âmbito das demais dimensões da vida social, as ações que visam objetivamente favorecer e/ou incentivar as mulheres são apenas parte do enfrentamento do problema da desigualdade de gênero. Há que se avançar, também, no terreno acadêmico-científico, na discussão sobre os fatores políticos e culturais que dificultam ou, mesmo, impedem a posição e a participação mais igualitária das mulheres. Um desses obstáculos, por exemplo, é a reiterada crença dos acadêmicos de que os homens ocupam as posições de maior prestígio e poder baseados exclusivamente no mérito pessoal de cada um deles. Essa falácia meritocrática é das mais arraigadas nas comunidades científicas contemporâneas e está na base das ações políticas que, cotidianamente, dificultam avançarmos em direção a relações mais igualitárias entre homens e mulheres no mundo científico. Enfrentá-la é, em dúvida, um dos nossos grandes desafios.

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