Carta aos pais de crianças com deficiência

Regina Célia Passos Ribeiro de Campos*

Em tempos de Coronavírus, as escolas fecharam e a ordem é ficar em casa, mas o que fazer quando seu filho é uma criança com deficiência ou autista ou tem uma síndrome rara e você não sabe como se comunicar com ele e nem como agir diante de uma crise?

É importante você saber que os pais não nascem pais, eles aprendem a ser pais e mães ao longo de uma vida… e que não há receitas prontas, nem modelos pedagógicos, nem soluções mágicas que te ensinem a conviver com a diferença, a não ser o amor que você sente por essa criança.

A vida passa e o dia de ontem traz aprendizados que a gente não esquece ou não deveria esquecer… é uma grande roda, um ciclo, de tensões e esperanças, ilusões e experiências concretas…

A lógica geralmente é abandonada na primeira esquina… e nos sentimos sozinhos e pequenos diante de um enorme sacrifício que nem se pode admitir… Vamos ser, ao menos, sensatos: por um lado, a maioria dos pais de crianças com deficiência em algum momento sofrem por estarem nessa posição de Dom Quixote a lutar contra seu dragão moinho de vento, cotidianamente pensando que não vão suportar… Mas, por outro lado, esses mesmos pais estão sempre pesquisando e aprendendo um pouco mais…

Mas hoje chegou o tempo de despertar. Precisou de um vírus para nos aquietar e nos colocar no lugar que precisávamos estar nesse momento… em casa! E você está aí, diante do seu filho ou da sua filha… dia e noite, no turbilhão das notícias infectantes da TV, e aí na sua frente essa criança grita, se agita, reverbera, monta e desmonta suas expectativas ou silenciosamente denuncia seu sofrimento por não conseguir dizer o que sente, pensa ou deseja.

É tempo de parar e escutar como se fosse pela primeira vez seu grito, ou gemido, ou silêncio. É tempo de parar e observar como se fosse pela primeira vez seu gesto, o balançar das mãos ou do corpo, o tatear dos dedos, o andar em círculos ou os movimentos desconexos. É tempo de usufruir desse amor para desconstruir e reconstruir as relações afetivas tão significativas para vocês.

Abra espaço do seu dia para a interação. Algumas crianças com deficiência ou autistas possuem dificuldades de interagir, se comunicar e se comportam de maneira bastante peculiar… e mesmo não se comunicando, não deixam de ser inteligentes e observadoras. Muitas crises poderiam ser evitadas ou se resolveriam com alguns elementos bem simples:

Brincar – O ato de brincar é um ato extremamente importante para qualquer criança. Na medida que brinca, a criança apreende conceitos e significados, cria novos sentidos e age sobre o mundo. Mesmo que seu filho não corresponda, não devolva a bola ou não olhe pra você, não desanime, continue brincando e se endereçando a ele pelo seu nome: Você pode dizer: agora é a vez do João jogar! Endereça-se a essa criança pelo seu primeiro nome e aguarde respeitosamente sua reação… pode ser que só venha em resposta o silêncio, então, você continua e diga: João passa a vez para Maria… ou jogue a bola em sua direção e siga brincando. Brinque de pique esconde e de sumiu-achou, escondendo-se ou escondendo a criança atrás da cortina, crie cenários, personagens, viagens estelares, escute música e dance, mostre ao seu filho que você está presente e se importa, que ele é amado, alguém importante na sua vida e na vida das pessoas que o querem bem.

Aprender – Abra espaço do seu dia para aprender outras linguagens: o braile, a libras ou a comunicação alternativa. Se por algum motivo seu filho não se comunica, procure formas de mediar com seu próprio corpo (gestos, mímica, datilologia…) ou instrumentos (escrita braile, vocalizador) uma comunicação alternativa natural ou aprendida, mas sincera. Aprenda a se comunicar com seu filho. Estude junto com ele, as montanhas, a música e a dança, uma civilização, a vida marinha, o cosmo, uma receita culinária… mostre que o ato de estudar e aprender é uma experiência fascinante… e veja seus olhos brilharem…

Respeito – abra momentos do seu dia para retomar o respeito em suas relações. Aguarde o tempo de reação de seu filho, sem responder ou fazer por ele suas tarefas. Preste mais atenção aos seus sentimentos e com muito respeito procure interpretar sentimentos que ele não consegue ainda controlar. E você pode dizer: “agora você está cansado, né?” Ou “agora você está zangado por     que eu não liguei a TV!” ou, “Você parece feliz hoje!”. Essas frases simples poderão traduzir para ele o que ele não compreende ou não consegue dizer e, com certeza, irão aliviar sua ansiedade de não saber se está sendo compreendido.

Aceitação – aceite seu filho como ele é, não crie expectativas além do que ele pode corresponder, nem o vitimize e o proteja como um incapaz. Reconheça seu filho como o ser humano que é, chame-o pelo nome, resgate sua autoestima indicando seus reais méritos e respeite os momentos em que seus sentimentos estiverem confusos, por que todos nós temos momentos bons e ruins.

A verdade é que esse tempo pode ser importante para se cuidar e ficar em casa por causa do Coronavírus     , mas também pode ser um tempo precioso e único para você simplesmente ser quem você é e deixar que seus filhos também sejam…

Nenhum especialista conhece mais seu filho do que você… nenhuma prática psicopedagógica ou metodologia de ensino vai substituir o que você sabe depois de tantas tentativas e erros… por isso aproveite esse momento e não perca a chance de colocar em prática tudo aquilo de mais importante que você tem a dar ao seu filho, que pode ser traduzido em três palavras: atenção, respeito e amor!


* Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais – GEINE – Faculdade de Educação/UFMG

Imagem de destaque: freepik

 

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