Carta ao menino Othon, meu amado filho

Marco Barzano

Querido filho, escrevo-lhe esta carta para te contar memórias de minha vida-formação-profissão. Sei que seria uma carta muito longa, se eu quisesse (ou pudesse) expor tudo o que vivi ao longo dos cinquenta e dois anos de vida e vinte e seis de profissão na carreira de professor. Muitas recordações boas, outras poucas, nem tanto.

Gostaria de começar essa carta, te informando que sou professor da UEFS por 18 anos. Aqui eu ensino, pesquiso, realizo atividades de extensão e até já fui diretor do departamento de Educação por quatro anos e nesse período fui criando laços de amizade, me reinventando a cada dia.

Querido filho, pretendo iniciar esse memorial-carta a partir dos últimos parágrafos do memorial que escrevi em julho de 2013, quando fui promovido para professor titular. Escrevi o seguinte:

Ao tentar finalizar esse memorial, tenho certeza que não estou sozinho. A minha vida pessoal é construída pelos meus sonhos, desejos, afetos que se misturam com minha família e amigos. A minha vida acadêmica é construída pelos meus sonhos, desejos, afetos que se misturam com meus amigos e colegas de trabalho e com todos os estudantes, da sala de aula e das orientações.

Assim, chega o por vir: o mandato de diretor que se encerra em setembro; os planos para o pós-doutorado, em 2014; o filho; as mudanças de rotina de trabalho e pessoal.

Desse modo, compartilho minhas memórias acadêmicas e pessoais. Foi um bom exercício, pois me ensinou que não é apenas um requisito para minha progressão para professor titular. Ao olhar para trás, para o hoje e para o amanhã, percebo que ao longo desses 46 anos de vida tenho tentado (e muitas vezes conseguido) progredir como gente.

Quero que o registro dessas memórias seja muito mais do que um degrau na carreira de ser professor titular da UEFS, mas desejo que sejam marcas que quero deixar de herança para meu filho e alunos, sem muita explicação, como o brilho das estrelas e dos vagalumes.

Então é isso: no dia 09 de abril de 2013 eu havia protocolado o processo para adotar um filho. Como eu já te disse, então não te adotei; você me adotou, nós nos reencontramos para formarmos uma família.

Othon, eu sempre quis ser professor, sabia? Quando eu tinha a sua idade eu já brincava com meus irmãos de ser professor. Eu juntava outras crianças e brincávamos de escola, mas um dia aquilo foi deixando de ser brincadeira, pois eu acabava ensinando o dever de casa dos meus amigos que eram menores.

Fui tomando o gosto e acabei decidindo por ser professor de Biologia quando eu ainda estava no segundo ano do ensino médio, graças às excelentes aulas de Biologia que eu tive quando estudei sobre os insetos.

Fui fazer Biologia e pesquisar sobre os insetos, mas no final do curso eu queria mesmo era ser professor e me afastei do laboratório e me envolvi mais com os projetos de educação. Me formei em professor de Biologia. Foi uma alegria para mim e para nossa família, pois fui o primeiro da família que conquistou o diploma de ensino universitário.

Quero ainda te dizer, meu filho, que quando eu estava na universidade, cursando Biologia, tive contato com uma obra que me contaminou e até hoje releio trechos que, para mim, me dão novos sentidos e contribuem para minha formação não apenas profissional, mas como cidadão, como gente. Este livro é nomeado “Pedagogia da Esperança”. Sim, Othon! Nesses duros momentos que estamos vivendo e que na sua inocência infantil, você não tenha muito a ideia da dimensão do quanto estamos sendo afetados, quero te dizer que apesar dos pesares, devemos nos manter sempre confiantes, sempre esperançosos.

Me formei em Licenciatura em Biologia em 1990 e construí minha formação em Educação no mestrado e doutorado; tenho pós-doutorado; já fui professor da educação básica e, juntando com o ensino superior, já colaborei bastante na educação de adolescentes, jovens e pessoas adultas; sempre defendendo a educação pública e é nela que continuo confiando, militando e lutando para que ela seja sempre de qualidade, e é também por esse motivo que você está matriculado em uma escola pública.

A escola pública, Othon, mesmo com toda a precariedade em sua estrutura e condições de trabalho de professorxs, ela ainda é o lugar privilegiado da resistência e (re)existência. É justamente pelo fato de você estar matriculado em uma escola pública, que tenho aprendido que ela tem autonomia e tem garantido, com todos os esforços, para que seja protagonista da inclusão e diversidade.

Então, você aprende e eu aprendo também. Juntos vamos continuar lutando por ela, sempre! Mas o mais importante que quero deixar declarado aqui nessa carta é que o que mais quero é que você seja feliz e continue contando com seu pai para que isso aconteça.

Um beijo e abraço do seu pai, com afeto,

Marco

Feira de Santana, outono de 2019.


Imagem de destaque: Helloquence / Unsplash

* Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação (UEFS) e Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e Hstória das Ciências (UFBA-UEFS). Professor titular da Universidade Estadual de Feira de Santana.

 

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