As relações que permeiam as pesquisas em ambiente escolar

Atividade realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula. Fonte: Arquivo pessoal

Sabrina Moreira

Em pesquisas educacionais é muito importante realizar estudos no ambiente escolar para entender desde as dinâmicas da escola até o desenvolvimento dos indivíduos. Entretanto, vivemos um cenário novo. O combate à COVID-19 impôs, para grande parte da população, o isolamento social, priorizando a permanência em casa, e o fechamento de diversos serviços. As aulas presenciais estão suspensas em grande parte do território brasileiro. Diante disso, é importante pensar como está o funcionamento das pesquisas em educação que necessitam ir à campo.

Para falar dessas relações, conversamos com a professora do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação (UFMG), Maria de Fátima Cardoso Gomes. A pesquisadora, que coordena o projeto “Infância e escolarização: Bebês e crianças pequenas – afeto/cognição social situada/culturas/linguagens em uso (ACCL)”, em colaboração com a professora Vanessa Neves, nos contou como está o desenvolvimento dessa investigação.

Nessa conversa, a docente refletiu sobre as pesquisas em psicologia da educação, sobre a necessidade de ir aos ambientes escolares e ainda apontou a importância da relação com os/as estudantes e os/as profissionais da educação. Afirmou como a participação das estudantes da graduação na pesquisa contribui para a formação docente das mesmas. Além disso, a docente relata como a pandemia da Covid-19 afeta e afetará a pesquisa. Confira a entrevista.

O que é fazer pesquisa em psicologia da educação?

Fazer pesquisa em psicologia da educação depende da sua orientação política e  orientação teórico-metodológica. No nosso caso, que fazemos pesquisa em Psicologia da Educação em sala de aula, são dois suportes teóricos-metodológicos: a teoria histórico cultural e a etnografia em educação. Eu estou falando nós, porque sou líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula – GEPSA. Entre os pesquisadores está  a professora Vanessa Neves, e nós duas estamos  conduzindo a pesquisa, atualmente, em creches e em escolas municipais de educação infantil da prefeitura de Belo Horizonte.

Essa pesquisa tem como objetivo principal compreender o desenvolvimento cultural de bebês e crianças pequenas em um contexto de escolarização. Isso para nós indica que temos que fazer uma pesquisa que leve em conta a perspectiva êmica e a perspectiva ética. Ou seja, nós temos que falar, compreender e produzir material empírico. Descrever e analisar o material empírico do ponto de vista dos participantes da pesquisa, do ponto de vista das crianças, dos bebês, das professoras. E construir o nosso ponto de vista como pesquisadoras.

Esse processo nos remete à observação participante, ao mergulho na realidade das turmas que estamos acompanhando. Essa pesquisa começou em 2017 quando as crianças estavam com cerca de 7 meses de idade, e hoje elas estão com quatro anos e poucos meses.

Com a Covid-19, interrompemos a nossa pesquisa de campo em março de 2020. Temos um banco de dados de 2017 a março de 2020 com o qual nossas estudantes de mestrado e doutorado estão trabalhando. Vão trabalhar nisso até poder voltar às atividades presenciais nas escolas.

Como é a vivência nas instituições de ensino?

Primeiro, precisamos ter em mente que a convivência e vivência com bebês, crianças pequenas, suas professoras e todo corpo profissional educador da escola tem que ser muito respeitosa. Temos que criar uma relação de confiança com todas as pessoas que trabalham na escola, desde daquelas que estão dentro das salas de atividades, as que fazem merenda, as que dão banho nas crianças, fazem limpeza e a direção da escola, a coordenação. Aprendemos muito ao nos colocarmos no lugar das crianças e dos bebês e, também, das professoras. Muitas vezes o que vemos,  não pode ser  interpretado só do nosso ponto de vista. Ou seja,  nós fazemos gravações em áudio e vídeo, fazemos as conversas, tiramos fotografias e recolhemos artefatos e materiais que são produzidos nas escolas. Todo esse material, que compõe o material empírico, tem que ser analisado levando-se em conta a produção de sentido daquelas práticas educativas. Nós, participantes da pesquisa, fazemos o exercício de sair do nosso etnocentrismo para compreender a cultura do outro. É necessário entender os sentidos e significados sociais para as práticas que estamos vivenciando naquela sala de aula, para isso é necessário muito diálogo. É preciso muito respeito, com o que se faz com as crianças e com os bebês.

Como as idas a campo enriquecem a pesquisa?

Pois bem, sem ida a campo, não há pesquisa. Do nosso ponto de vista, só os participantes da pesquisa nos dão os elementos e os conteúdos que nós vamos pesquisar. Nós queremos compreender o desenvolvimento cultural das crianças, de poucos meses a 6 anos de idade. Essa pesquisa que nós estamos desenvolvendo na EMEI “Tupi” (nome fictício), em Belo Horizonte, tem a duração de 2017 a 2022 (que penso que vai ter que se estender devido à Covid-19). Então, se queremos entender o desenvolvimento cultural dessas crianças, nós temos que estar junto a elas.Junto com quem convive com elas o tempo todo. Você utilizou uma palavra importante: vivência. Vivência para nós é mais que experiência. Significa produção de sentido para aquilo que você está vivendo e sentindo.  Para nós não tem como compreender o desenvolvimento cultural das crianças sem uma unidade dialética de análise, que perpassa todo o desenvolvimento das crianças, que é [afeto, cognição social situada, culturas e linguagens em uso]. E isso tudo é feito por meio de linguagens em uso, de linguagem corporal, da expressão facial, do choro, do abraço, do gesto de apontar, da fala e da escrita. Quando as crianças começam a falar, a partir dos dois anos de idade, ou um ano e meio, muitas delas demonstram interesse pela escrita, pela leitura, por ouvir e contar histórias. Tudo isso enriquece muito a nós, pesquisadores. É um outro mundo, é outra visão de mundo que está nos afetando.

Para nós, para entender esse desenvolvimento cultural das crianças, é preciso entender a íntima relação entre afeto, cognição social situada, cultura e linguagens em uso.

Alunos de graduação participam dessa pesquisa como bolsistas?

Sim, atualmente nós temos duas bolsistas de iniciação científica. Além das estudantes de mestrado e doutorado, que fazem conosco a pesquisa em campo, e depois também escrevem suas teses e dissertações.

E como é a atuação delas nesses espaços?

Essas bolsistas nos ajudam na produção do material empírico, na gravação de áudio e vídeo, na transcrição desse material.Elas participam dos estudos do GEPSA e do EnlaCEI, o Grupo de Estudos em Cultura, Educação e Infância, que está diretamente ligado a essa pesquisa que estamos desenvolvendo e é coordenado pela Vanessa Neves. Elas estão ajudando a construir um site para o EnlaCEI, contribuem na organização de eventos e entram em contato com as escolas quando há necessidade. Além de escrever artigos conosco, como já ocorreu.

Como esse processo contribui para a formação dessas estudantes?

Primeiro, contribui na formação delas como pesquisadoras. Elas saem da graduação e vão para o mestrado, e aprendem a fazer pesquisa junto conosco. Além disso, aprendem a fazer a pesquisa acadêmica, escrita acadêmica de artigos, de dissertações e a fazer perguntas, a produzir pesquisa, isso é muito importante.

Mais do que isso, elas aprendem a ver criticamente a formação do pedagogo, não só como alguém que está dentro da escola reproduzindo o que se pede, mas alguém que questiona a sua própria prática. É sobre o que é ser pedagogo, para quê ser pedagogo, como transformar a sociedade sendo pedagogo e sendo pedagogos pesquisadores.

Estamos vivendo uma pandemia. Você acha que esse momento terá influência nos resultados da pesquisa?

Olha, não tenho dúvida! Claro que terá! A gente estava conversando sobre isso ontem via internet. Quinzenalmente nós nos reunimos, eu e Vanessa, com nossas estudantes de mestrado, doutorado e as bolsistas de Iniciação Científica. Nossa conversa ontem girou em torno disso: como será a pesquisa a partir do ano que vem. Pensamos que não haverá volta das atividades presenciais ainda esse ano. Mas nos questionamos como as famílias e as escolas vão se reorganizar depois disso. E, principalmente, pensamos na integridade dessas crianças, dos adultos, das famílias, de nós pesquisadoras, da nossa saúde e de todos envolvidos. Com certeza, não vamos sair os mesmos.Já não somos os mesmos que fomos. Estamos tentando entrar em contato com as famílias, para saber como eles estão, como estão se organizando. Também entramos em contato com as profissionais da escola. Vamos aguardar as respostas. O primeiro passo que nós demos, foi hoje, enviando uma carta aos pais das crianças participantes da pesquisa e uma carta às profissionais da escola. Mas, certamente muitas mudanças vão ocorrer. Não temos a dimensão ainda de quais serão as mudanças.

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Este texto é uma versão revisada de uma entrevista publicada inicialmente no Jornal Pensar a Educação em Pauta nº 282, do dia 26 de junho de 2020, e retirada do ar para correções.

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