As Forças Armadas e a garantia da Lei e da Ordem

 Antonio Carlos Will Ludwig

O artigo 142 da Constituição Federal estabelece três tarefas para as Forças Armadas, quais sejam a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem. Observe-se que elas têm sido mantidas desde aquela que foi promulgada em 1934. Note-se também que enquanto as duas primeiras são claras e inteligíveis, a terceira exige o exercício da interpretação que pode viabilizar o surgimento de múltiplas versões.

Uma dessas versões, que é inédita e surpreendente, foi recentemente apresentada por um dos mais destacados juristas do país, o professor Ives Gandra Martins. Em um texto publicado em veículo jurídico ele disse que ”se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante”. Esta concepção é defendida por meio da recorrência a artigos constantes da Carta Magna e de um competente manejo do raciocínio lógico.

Alguns juristas de renome se manifestaram contra o entendimento proposto e apresentaram vários argumentos sustentadores: ausência de amparo no texto constitucional, falta de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, inexistência na literatura constitucionalista brasileira e internacional, exiguidade de conhecimento jurídico nas Forças Armadas e existência de artigos na Constituição que limitam a atuação delas.

Percebe-se que a argumentação apresentada por estes juristas é muito categórica e capaz de abalar de forma extrema a versão emergente. No entanto as duas não levam em conta alguns aspectos relevantes que podem contribuir para clarificar a atividade interpretativa. O mais óbvio deles diz respeito ao recorrente papel instrumental das Forças Armadas exercitado nos distúrbios sociais e nos momentos de calamidade pública.

Outro se refere ao fato de que as leis costumam ser elaboradas de modo a permitir uma flexibilidade da ação por parte dos encarregados de aplicá-la. Ademais é sabido que a estrutura jurídica tende a agregar alguns vazios e brancos denominados de lacunas da lei bem como no âmbito do direito pode aflorar o aspecto ideológico de ocultação. Outrossim, é possível despontar a intenção de incluir brechas para ir além da própria lei. No caso em pauta os termos lei e ordem se mostram claramente genéricos e abstratos para viabilizar o emprego das Forças Armadas em diversas situações, até naquelas em que pareça estar sendo violada a própria determinação legal.

Vale lembrar também a gênese do artigo constitucional referente às Forças Armadas. É do conhecimento de muitos que ele foi incluído na Carta Magna da forma como se encontra pela pressão oriunda do setor militar sobre os parlamentares de então, com vistas a favorecer possíveis ações interventoras e viabilizar a influência da corporação bélica nos assuntos internos do país. Este artigo revela a ostensiva postura de tutela sobre o Estado reinante entre os servidores fardados da época, a qual se apoia não apenas na força coativa, mas principalmente na ameaça de utilização dessa força.

Observe-se ainda a falta de menção ao tema do controle democrático sobre as Forças Armadas. Quanto a ele é preciso recordar que uma das principais preocupações de governantes dos países seguidores da democracia, desde o início da formação dos Estados Nacionais refere-se ao monitoramento da corporação bélica com vistas a evitar que ela se volte contra a sociedade. Para tanto surgiram duas propostas que vem sendo continuamente aplicadas. Uma delas sugere a confinação dos militares no interior dos quartéis e a outra defende a ampla inclusão deles na vida em sociedade.

A sustentação do papel de poder moderador aos militares aparentemente se mostra sintonizada ao pensamento daqueles que pressionaram os parlamentares nos tempos idos, favoráveis à possibilidade do exercício do papel intervencionista. Em decorrência parece se harmonizar com a manutenção da tradicional postura da tutela castrense sobre o Estado uma vez que no caso da ocorrência de um conflito entre poderes cabe aos comandantes das Forças Armadas atuarem como árbitros. Observe-se que o autor da proposta supõe ter introduzido uma inovação pois considera que conferiu a ela um caráter não autoritário inexistente no passado.

Mesmo sendo verídica esta inovação se mostra totalmente contrária às concepções pertinentes ao controle democrático das Forças Armadas postas em prática nos países regidos pela democracia, as quais asseveram a necessidade de acatamento dos militares ao ordenamento civil. Ela tende a caminhar também na direção oposta ao paulatino e irrefreável processo de civilinização das Forças Armadas em quase todos os recantos do mundo. Porém, mais sério é o fato de que a mesma contribuiu para acirrar a atual situação política do país porquanto foi acriticamente apropriada e proclamada pelo clã Bolsonaro e seus fanáticos seguidores. Assim sendo, revela-se imprescindível e urgente que o sentido da expressão “garantia da lei e da ordem” seja oficialmente estabelecido pelos nossos legisladores.


Imagem de destaque: João Pacheco / Pixnio

 

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