“Ao mestre, com carinho”

Luiz Carlos da Paixão*

Das muitas memórias como educador, algumas nos tocam mais profundamente e nos deixam marcas indeléveis; simplesmente porque são fruto de uma intensa troca de energia e de total empatia, sendo o corolário de uma prática humanizadora e, acima de tudo, do respeito mútuo.

Desde os meus tempos de aluno, entendia o processo educacional como uma via de mão dupla, na qual em um dos lados está o professor, como autoridade escolar e aquele que nos conduziria por caminhos e veredas, levando-nos a lugares inimagináveis. Na outra mão estava o aluno, sedento por aprender e, com isto, alçar voos e descortinar o horizonte. Fato é que, em muitos momentos, a via deixava de ser mão dupla e passava a ser apenas em um sentido. Após uma intensa e nem sempre necessariamente longa viagem, os caminhos também se cruzavam em vários momentos, passando a ser algo sem princípio ou fim, mas adquirindo uma forma em si. Demorei para perceber que não precisava ser assim, mesmo tendo encontrado alguns professores que sempre foram mais libertadores nas suas práticas pedagógicas. Lembremo-nos de que estudei no período da Ditadura Militar, sobrevivendo a todos os AIs.

Mas de forma bem peculiar e muito marcante, sempre ficou em mim a melhor parte da experiência como aluno. Enquanto elegia uns poucos como inspiração, a maior parte era lançada ao limbo e ao avesso do que sentia como vocação. Àqueles que me inspiraram, ainda hoje os trago na memória e os guardo com carinho, mesmo que não os tenha como contato direto. A própria vida e sua dinâmica encarregou-se de nos afastar.

Entrei na faculdade, repleto de ideias e ideais e tinha metas ousadas, as quais sempre me propus transpor. Desejava uma formação pautada no conhecimento acadêmico, imprescindível para alguém que realmente se propõe a ser um bom profissional; contudo, ansiava também por um espírito capaz de me fazer buscar novas práticas e novas possibilidades, estabelecendo uma nova forma que não se agastasse tanto na já famigerada educação formal.

Saí, acredito eu, com sólida formação conceitual, mas ao mesmo tempo, pela convivência com as pluralidades e pelo amplo espectro de formação humana que coabitava no mesmo campus e a qual eu soube usufruir, ao me “aventurar” nos diversos cursos e grupos de estudo, consegui uma bagagem que me fazia um verdadeiro ser pensante e desejoso de contribuir para a mudança que tanto propalávamos.

Eu, um jovem professor, que por ideal ao ofício, abandonou uma promissora carreira em uma instituição financeira, na qual já tinha posição, prestígio e possibilidades de ascensão, para viver aquilo que ardia em meu peito desde os tempos do colégio, colocava-me em campo e disposto a ser a diferença que estudamos. É necessário dizer que apaixonei-me pela educação, especialmente pela História, na minha 5ª série, seduzido pela forma de ensinar de minha querida professora, o que me motivou a decidir ainda muito jovem o que seria a minha profissão vocacionada.

Ao assumir a educação como ocupação profissional, foi como dar vários passos para trás na minha vida financeira; mas era ainda cheio de vitalidade e tinha uma retaguarda que poderia garantir-me um pouco de aventura, mesmo que com sacrifício e muito esforço rumo a uma nova etapa na vida. Não me arrependi. Afirmo que sou feliz e realizado. Não lamento e muito menos considero ter feito uma escolha errada.

Tratei logo de me ocupar profissionalmente, trocando o banco por uma escola pública. Tive a oportunidade de ser professor de alunos cujos laços de amizade perduram até hoje, ao longo de um período de quase 30 anos – a modernidade nos permite grupos no WhatsApp e outros aplicativos, encurtando distância e até tempo; mas nada que substitua o contato direto e as reuniões sempre recheadas de muitas boas memórias.

Esta mesma turma – a minha primeira turma – foi responsável por me dar a certeza de que havia feito a melhor escolha profissional. Havia entre nós o respeito necessário, mas uma cumplicidade na relação, que nos permitia estudar sem causar traumas ou máculas na convivência – era uma verdadeira celebração. Compreendia a linguagem deles e eles a minha; afinal, a distância que havia entre nós não era uma barreira instransponível.

Eis que o ano transcorria normalmente e, após o retorno do recesso escolar do meio do ano, ao retomar as aulas, estava próximo o meu aniversário. Nunca fui de celebrar a data com grandes festividades, mas sim com a gratidão por estar vivo e cercado de pessoas que amo. Muitos alunos têm uma predileção por festejar a data, sempre com algazarra e muita alegria, quando possível, a zoação também se faz presente. Fato é que, por não ter a prática de festejar, eu nada esperava da turma, além dos tradicionais cumprimentos e da musiquinha que certamente soaria quando eu entrasse em sala. Para minha “decepção” no dia de meu aniversário, o primeiro horário transcorreu normalmente, sem que ninguém me cumprimentasse ou manifestasse qualquer sentimento em relação à data. Estranhei, por tratar-se de turma tão especial, mas continuei por mais dois horários, entrando nas outras salas e recebendo o mesmo tratamento de todos os dias.

Veio o horário do intervalo e com o recreio, dirigi-me à sala dos professores. Estava ali, absorto com os outros professores, quando a diretora da escola solicitou a minha presença em sua sala. Ao chegar, ela me pediu que a acompanhasse ao pátio para que eu pudesse ajudá-la, opinando sobre uma obra que necessitava fazer e queria um outro olhar, talvez para sugerir intervenções mais pontuais, acreditando que eu seria a pessoa indicada para tais observações. Acompanhei a diretora, na intenção de poder auxiliar no que me fosse possível sugerir.

Chegamos ao pátio, e ela – a diretora, sinalizando, apontando-me o chão, falava de uma obra que desejava realizar para melhorar a estrutura da escola. No centro do pátio, paramos e ouvi em uníssono, um coro que entoou a velha canção de aniversário. Olhando para cima, pude contemplar todo o anel superior da escola ocupado pelos alunos que me homenageavam. Foi uma verdadeira surpresa, nunca mais superada e até hoje lembrada por mim e por meus alunos, ainda companheiros de caminhada.

Após este momento, seguiram-se as tradicionais e indefectíveis festinhas, com direito a bolo, balão, salgadinhos e docinhos.

Ainda guardo as cartinhas que recebi, de meninos e meninas, que revelavam o respeito, o carinho e, sobretudo, o reconhecimento do respeito selado por uma postura de ação humanizadora na relação professor/aluno.

Passados quase 30 anos, ainda reverbera na minha memória e na desses alunos a celebração de uma verdadeira amizade.


* Luiz Carlos da Paixão é professor de História, na Educação de Jovens e Adultos, em Venda Nova.

E diretor da Escola  Piajet. Há anos dedica-se a Educação e às juventudes, pessoal e profissionalmente.

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