Anotações sobre a terceira versão da BNCC para o Ensino Médio

Roberto Rafael Dias da Silva

Em meus escritos recentes, tenho dedicado atenção ao desenvolvimento de uma crítica curricular acerca dos processos de customização que perfazem, atualmente, a organização e o planejamento dos currículos escolares nos variados níveis de ensino. Questões como personalização, individualização, autorrealização ou percursos individualizados, por exemplo, têm me causado uma significativa preocupação. Porém, os leitores poderiam me interrogar: por que a customização dos processos formativos desperta minha preocupação? Não seria desejável o atendimento às demandas individuais dos estudantes? A individualização deixou de ser um pressuposto pedagógico fundamental?

Minhas respostas a tais indagações, ainda que provisoriamente esboçadas, remetem-se a uma crítica dos excessos curriculares derivados desses processos. O cantor e compositor brasileiro Aluísio Machado, em seu samba intitulado “Minha Filosofia”, explicita em seus versos um modo original que talvez sirva para pensar as questões de política (curricular) atualmente em disputa. Canta o sambista que “tudo que é muito, é demais/Peço: me perdoe a redundância/Entrelinhas só quero lembrar/Que a terra fértil um dia se cansa/É uma questão de esperar”. Em outras palavras, meu maior incômodo com relação à customização curricular é a proliferação de seus excessos, como explicarei a seguir.

A divulgação da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio, no decorrer da última semana, reforça a preocupação que referi acima. De acordo com o documento, sua ênfase nas juventudes significa “assegurar aos estudantes uma formação que, em sintonia com seus percursos e histórias, faculte-lhes definir seus projetos de vida”. Certamente, a “escolha com relação aos estilos de vida” não precisa ser orientada pelos currículos escolares; porém, em tal argumentação, há uma importante lacuna com relação aos propósitos educacionais que orientam essas possibilidades de formação juvenil.

Em nome da melhoria dos indicadores educacionais, bem como da ampliação das contribuições da escola com relação à sociedade e à economia, a BNCC prevê que, obrigatoriamente, somente as áreas da Matemática e das Linguagens deverão ser ofertadas nos três anos do Ensino Médio. As demais disciplinas ficam a escolha dos sistemas de ensino, por um lado, ou da escolha dos estudantes pelo seu itinerário formativo, por outro lado. Cabe problematizar, neste sentido, o que estamos nomeando por “compromisso com a educação integral”.

Por fim, preciso destacar os modos pelos quais esta versão da BNCC refere-se às juventudes de modo abstrato, às vezes genericamente citadas e com pouca interlocução com as pessoas. A participação juvenil não poderia ser reduzida, em minha percepção, à capacidade de escolha. Defendo uma concepção curricular que seja capaz de dialogar com o conhecimento acumulado pela humanidade, associando-o com as demandas sociais contemporâneas. Acredito, nesta mesma direção, que a escola deva ser capaz de atualizar suas linguagens para melhor se aproximar dos estudantes, bem como que deva ampliar seu repertório de compreensão do mundo atual. Todavia, não considero que isso seja possível por meio da liberdade de escolha como princípio basilar, sobretudo no contexto de uma sociedade tão desigual como a nossa. Afinal, como cantou Aluísio Machado, “tudo que é muito é demais!”.

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