Amazônia – Fronteira de identidades

Mauro Passos*

Tira as sandálias dos teus pés,
pois a terra em que pisas é santa.
(Êxodo 3, 5)

Diferenças e proximidades nos permitem olhar para a Amazônia e contemplar terras e águas, povos e culturas, condições e estilos de vida, línguas e propósitos. A floresta é um grande complexo diversificado de biomas sobre a face da Terra. Importa, nesse universo verde (Hoje poluído pelas queimadas!), a exuberância de seu mundo interno e externo. Algumas áreas da Amazônia indicam a fertilidade de seus ambientes geológicospara a produção de bens minerais. Aí está à arca da ganância com seus problemas e desafios.

A imagem das sandálias, lembrando a missão libertadora de Moisés, reforça o exercício que temos que fazer para salvar essa terra. Inspirados pelos mesmos princípios e sentidos, somos convidados a reforçar a rede de luta por essa região, a partir de dois aspectos – a situação ambiental e a situação humana. “Essa terra é santa” é uma imagem que evoca também esperança. Esperança carregada de perspectivas de um futuro mais justo, mais humano e mais pacífico. Essa foi a atitude do Pe. João Daniel, em 1776, quando escreveu a obra: Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas. Expulso do Brasil, um pouco antes da expulsão geral dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, seu ideal de missão tinha outros princípios – reunir os indígenas, distanciá-los dos brancos, preservar seus valores e conquistar autonomia para a missão.

Fronteira de identidade não distancia nem separa. Nessas condições, um pequeno passeio histórico nos mostra que a luta pela Amazônia tem sido um desafio constante. Como naquele período, é necessário distanciar-se dos espaços de negociação e interesses dos senhores do mercado (O Olimpo dos deuses do sistema capitalista moderno). O sonho que acalentamos é outro, como lembra Guimarães Rosa: “…penso em eternidades. O político pensa apenas em minutos. Eu penso na ressurreição dos homens”. A Amazônia deve viver banhada de luz para que outras gerações possam gozar da beleza da sua forma e da riqueza de seu conteúdo. Importa também sua poesia de cores, água e luz. É um território de memórias.

Floresta, sêmen de vida. Não é à toa que os povos que viveram/vivem em regiões como a Amazônia liguem a fertilidade da terra à fertilidade da vida nos seres humanos e animais. As celebrações religiosas evocam uma teologia da terra, da água e educam as novas gerações para preservarem esses valores e exercitarem a escuta dos sons do vento, dos pássaros e da chuva. O Mestre sufi da tradição muçulmana, Ali- Al-Khawas evoca, com sabedoria, esses valores: “Há um segredo sutil em cada um dos movimentos e dos sons deste mundo. Os iniciados conseguem captar o que dizem o vento que sopra as árvores que se balançam, o som dos instrumentos de corda e das flautas, o suspiro dos enfermos, o gemido dos aflitos”. Essa consciência da própria identidade sinaliza um selo de pertença. Daí a alegria e o sentimento mágico e religioso entre corpo e natureza, corpo e corpo.

Em outros tempos, os gritos que ecoavam na floresta lembravam festas, cultos e alegria. As festas marcavam o tempo, envolviam temas, pessoas e lugares. Diligência de busca e procura para lançar as raízes do futuro. Entre a dureza do cotidiano e o sonho de um futuro maior, as comemorações ajudavam/ajudam a entender os arranjos de sentir, viver e agir (As festas e o culto condicionaram/condicionam à práxis). Ir à região da Amazônia era/é deixar-se embalar pelos ecos que misturam ideias e ampliam histórias. A Amazônia é mais paraíso que “inferno verde”.

E hoje? A Amazônia continua sendo destruída por interesses políticos, econômicos, pirataria, perversões. Se não quisermos que o deserto seja nossa herança, temos que desenhar outro mapa e “pisar” com cuidado para encontrar o caminho do meio e a “terceira margem” da esperança. O efeito dominó das queimadas e desmatamentos não pode ser maior que o exercício de (re)criar e (re) inventar outro modelo de humanidade, uma nova forma de reconstruir a identidade fragmentada dessa região. Cecília Meireles narra na crônica – “Brinquedos incendiados” – a tristeza das crianças diante da loja incendiada e todos os brinquedos queimados. Para os adultos, ninguém tinha morrido, “mas tinha morrido um mundo e nele os olhos amorosos das crianças”. A escritora conclui a crônica profeticamente: “E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós, brinquedos que somos, talvez, de anjos distantes!” Cecília Meireles integra uma série de questões cruciais do Brasil no passado, presente e futuro.

Apesar de todas as complexidades e descaminhos, o religioso desenhou um mapa solidário – O Sínodo para a Amazônia. Esse Sínodo se propõe a abrir novos caminhos para que siga tornando presente, de modo profético/libertador o cristianismo, em seu contexto e contribua para uma ecologia integral. Além disso, quer “colaborar na construção de um mundo capaz de romper com as estruturas que sacrificam a vida e com as mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e interculturalidade”, segundo o documento oficial de preparação.

A elevada produção técnica e científica atualmente se faz acompanhar de outra grande produção de deuses, cultos, religiões, símbolos e imagens. Atualmente, nessa ciranda religiosa existe um magistério militarizante, a censura e a intolerância política, religiosa e cultural. Este Sínodo, portanto, acontece num contexto de luta. Hoje não se pode procurar o religioso sem enfrentar diretamente os ídolos e fetiches da política dominante, com outras/novas formas de produção religiosa.

Concluindo, é preciso ter em mente a importância de um diálogo cruzado entre os povos da região da Amazônia, os grupos e os movimentos que acreditam num futuro diferente para essa região. Um movimento que faça brotar o vigor da esperança e promova uma ecologia integral, a partir do cuidado com a terra, a água, o meio ambiente. A ecologia integral de que fala o Sínodo diz respeito a uma integração da vida em sua totalidade. Segundo a socióloga Márcia Maria de Oliveira: “O Sínodo é uma oportunidade para ‘amazonizar’ o mundo, no sentido de que é possível adotar outros modos de vida”. A lição maior é abrir perspectivas para o ser humano construir/preservar sua cultura, partilhar histórias, desejos e sua identidade. Enfim, endereçar caminhos no horizonte da espera.


*Prof. Mauro Passos – Presidente do CEHILA-Brasil (Centro de Estudos da História da Igreja/do Cristianismo na América Latina e Caribe).

Imagem de destaque: LoggaWiggler / Pixabay

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