Africanidades e ensino: construções, desconstruções e reconstruções

Vagner Luciano de Andrade

Tamara Angélica Félix Lana*

Quando se pensa na comunidade negra brasileira, algo se destaca nitidamente: a festividade, principalmente por ocasião da Celebração do Rosário, entre agosto e outubro, por diferentes recortes do país. Neste contexto, a sociedade precisar repensar seus caminhos e redimensionar seus projetos, no sentido de legitimar e afirmar a contribuição dos negros no enriquecimento e engrandecimento da nação brasileira. A articulação entre os diferentes campos do saber científico caminha no sentido de discutir a questão das Africanidades, presente na contextualização, mais que emergencial, do passado deturpado de escravidão e violação dos direitos humanos em que o Brasil se envolveu durante os ciclos econômicos coloniais. Assim, o ensino, como um dos muitos caminhos da coletividade, revisita suas trilhas e rumos no sentido de uma abordagem contínua e concisa sobre os afrodescendentes, sua cultura e historicidade evidenciando múltiplas identidades em reconstrução. A construção de caminhos que versam para as Africanidades, enquanto componente curricular, integrador e interdisciplinar evidencia a legalidade futura versus a ilegalidade pretérita. É uma pequena reparação história de um grande erro.

É histórico e evidente, que o negro foi usurpado de suas origens, de sua dignidade, de sua ancestralidade. Secularmente anulado e boicotado pela sociedade branca que se impunha como superior, cultural e biologicamente. Em tempos recentes, promulgou-se a lei que torna obrigatório o ensino de Africanidades no contexto da educação básica, sendo o tema, um elemento multicultural engrandecedor. Um bom exemplo é o site A Cor da Cultura, que legitima a autenticidade do negro e de suas origens, descortinando horizontes, abrindo caminhos, promovendo construções, desconstruções e reconstruções. É também uma ferramenta didática essencial a educadores e estudantes na construção de um novo imaginário social, sem exclusões e desigualdades. A Cultura acorda, despertando de um longo sono. Por séculos, brasileiros se camuflaram, entre brancos e nulos. Os brancos destituídos de argumentos e elementos convincentes de sua ideologia míope. Os nulos, anulados e boicotados, preconceituosamente chamados de mestiçados, misturados, “bagunçados”. Eram mamelucos, mulatos, cafuzos…confusos. Um longo passado trouxe a tona, absurdos que se diluem a luz da racionalidade e da verdadeira civilidade.

Foto: Kimberly Nye-Bonilla

Atualmente múltiplos territórios quilombolas são reconhecidos pelo país, se inserindo numa dialética da identidade e da ancestralidade africana. Somos orgulhosamente, a maior nação de negros fora do continente africano. Elementos presentes se efetivam na construção de um projeto coletivo de legitimidade e autoafirmação. A educação quilombola se amplia no meio universitário promovendo revisões e reformulações da prática docente. Saberes e fazeres quilombolas escrevem suas primeiras linhas na história da educação brasileira. Uma escola em cada quilombo e um quilombo em cada escola promoverão intercâmbios consideráveis. Os Kalunga, povo afrodescendente do nordeste goiano, se destaca pela gestão sustentável de seu território comum. O turismo quilombola se descortina promovendo a visitação, a vivência e a experiência com o imaginário social, o cotidiano e o jeito de ser/estar no mundo do afro-brasileiro. Enquanto algumas comunidades se perderam, como os quilombolas da Lagoa Seca, em Ibirité, outros quilombos urbanos tecem resistências consideráveis na capital mineira e entorno metropolitano, como as comunidades quilombolas Mangueiras no bairro Lajedo e a dos Luíses, no Bairro Grajaú. Ambas lutam contra a descaracterização da paisagem de referência, a pressão urbana e outras questões contemporâneas.

Ritos e mitos simbólicos se alternam entre velhos e novos membros perpetuando a memória e a identidade do grupo. A oralidade se reveste de riqueza em detalhes a serem transmitidos de geração em geração.

Os quilombos rurais também protagonizam lutas consideráveis. Um exemplo são as muitas comunidades do município de Brumadinho, com destaque para a do Sapé. No vale do Paraopeba, Sousa, distrito de Rio Manso é referência. Paisagem pretérita de cativos exerce forte influência local pela identidade e musicalidade promovidas durante a festa do Rosário. O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha apresentam suas tessituras. Há muitas comunidades e Africanidades dispersas pelo sertão das gerais. O destaque fica com a cidade de Chapada do Norte e para a região do Alto Rio dos Bois, em Angelândia. Por grotas e rincões, o negro se refaz, através da apropriação daquilo que lhe direito: sua história de resistência e de sobrevivência. Os navios tumbeiros não podem ser esquecidos. A comercialização de africanos para as minas de Ouro, como se fossem “coisas” e a engenharia da tortura e da dor, são experiências pretéritas que nunca serão apagadas.

Foto: Tainá Lopes/Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais

As Africanidades não mais se limitam ao ensaio de história, perpassando pelos demais caminhos curriculares, inserindo a temática no dia a dia. Alunos e docentes precisam ir além desta articulação e discussão. É preciso propiciar a experiência, e conhecer de fato a realidade dos quilombos e quilombolas. Neste contexto, a visita pedagógica se faz presente. Em Contagem, encontra-se a comunidade dos Arturos, patrimônio imaterial da cidade e umas de suas maiores referências. Os Arturos são um recorte cultural próprio num contexto urbano alienado. Sua existência e resistência é marco de uma luta centenária pela preservação da ancestralidade africana. Em Belo Vale, encontra-se o Museu do Escravo, outro espaço de extrema importância para se pensar a escravidão como algo que nunca poderia ter acontecido, mas aconteceu. Ela foi primordial para o renascimento de um povo que hoje se reinventa. E para cumprir seu papel transformador, a educação também se reinventa no sentido de promoção do diálogo, da partilha, na qual não haja distinções, e, sobretudo, distorções e abismos.


*Professora da Escola Municipal Prefeito Aminthas Barros, com formação em Pedagogia e Psicopedagogia

Imagem de destaque: Daniel Sant’anna/Geledés

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