Adeus Estado Laico!

Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta Nº 176.

O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (CF – Art. 210 Parag. 1º )

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta última quarta-feira, dia 27 de setembro, de permitir que o ensino religioso nas escolas públicas possa ter conteúdo que diga respeito a uma religião específica, não significa apenas um grande retrocesso e um golpe contra o Estado laico, mas também uma grande agressão à Constituição Federal, e isso justamente pelo órgão que deveria zelar pelo seu cumprimento.

O STF, que há muito tempo tem dado claras mostras de desapreço pelas instituições democráticas e pelos interesses da maioria da população, deu, assim, mais um bisonho espetáculo de desprezo pelas garantias constitucionais. Ao acolher a tese que saiu vitoriosa, o STF, por mio da maioria de seus membros, deu as mãos, mais uma vez, como tem sido praxe nos últimos anos, aos grupos e movimentos mais reacionários da sociedade brasileira.

Bem sabemos que, de fato, o Estado brasileiro jamais foi laico. A ruptura estabelecida pela República com o Império católico que a antecedeu, realizou-se também na fórmula jurídica da laicidade do Estado apregoado pela nossa primeira Constituição Republicana. No entanto, mesmo nas décadas iniciais da República, momento em que o ensino religioso era proibido na escola pública, os dirigentes e agentes do Estado, entre eles os professores e as professoras, não deixaram de apregoar a fé cristã, notadamente católica, e de utilizar o espaço da escola para o proselitismo religioso.

Apesar de acolhida pelo Congresso Constituinte a tese de que o ensino religioso deveria fazer parte da experiência das crianças e adolescentes da escola pública brasileira, a Constituição de 1988, no entanto, estabeleceu claramente que esse ensino não poderia ser sobre uma ou outra religião. Nesse sentido, o que o STF fez não foi uma interpretação da Constituição, mas uma verdadeira reforma da constituição sem, no entanto, ter mandato e legitimidade para isso.

A decisão do STF afronta não apenas o Estado laico, mas também atenda contra a pluralidade e diversidade religiosa brasileira. É falacioso, a esse respeito, o argumento apresentado pelos ministros do Supremo ao atacar a posição da Procuradoria Geral da República, que era contrária ao ensino religioso confessional na escola pública.  Quem defende a pluralidade e a diversidade religiosa não pode defender que a escola pública acolha o ensino dessa ou daquela religião. Inclusive porque sabemos que a decisão do STF obedece às “consciências” e os poderes de grupos religiosos muito específicos: os cristãos.

Ao estabelecer a nova “interpretação” do dispositivo constitucional sobre o tema, o STF presta mais um desserviço à sociedade brasileira, reforça a promiscuidade entre os interesses públicos do Estado e os interesses privados das confissões e instituições religiosas e cria um cenário em que é previsível o aumento dos conflitos religiosos de todas as ordens a serem administrados pelas escolas públicas.

O Estado laico é a única forma conhecida até o momento de fazer com que sejam minimanente respeitadas todas as confissões religiosas e as convicções daqueles que não professam religião alguma. Submeter as instituições públicas aos ditames dessa ou daquela confissão religiosa é uma forma de corrosão da vida diversa e democrática que defendemos. É por atentar contra essa árdua, apesar de incompleta, conquista, que a decisão do Supremo deve ser repudiada e lamentada.

Foto de destaque: Carlos Moura/SCO/STF

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Adeus Estado Laico!

“O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (CF – Art. 210 Parag. 1º )

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta última quarta-feira, dia 27 de setembro, de permitir que o ensino religioso nas escolas públicas possa ter conteúdo que diga respeito a uma religião específica, não significa apenas um grande retrocesso e um golpe contra o Estado laico, mas também uma grande agressão à Constituição Federal, e isso justamente pelo órgão que deveria zelar pelo seu cumprimento.

O STF, que há muito tempo tem dado claras mostras de desapreço pelas instituições democráticas e pelos interesses da maioria da população, deu, assim, mais um bisonho espetáculo de desprezo pelas garantias constitucionais. Ao acolher a tese que saiu vitoriosa, o STF, por mio da maioria de seus membros, deu as mãos, mais uma vez, como tem sido praxe nos últimos anos, aos grupos e movimentos mais reacionários da sociedade brasileira.

Bem sabemos que, de fato, o Estado brasileiro jamais foi laico. A ruptura estabelecida pela República com o Império católico que a antecedeu, realizou-se também na fórmula jurídica da laicidade do Estado apregoado pela nossa primeira Constituição Republicana. No entanto, mesmo nas décadas iniciais da República, momento em que o ensino religioso era proibido na escola pública, os dirigentes e agentes do Estado, entre eles os professores e as professoras, não deixaram de apregoar a fé cristã, notadamente católica, e de utilizar o espaço da escola para o proselitismo religioso.

Apesar de acolhida pelo Congresso Constituinte a tese de que o ensino religioso deveria fazer parte da experiência das crianças e adolescentes da escola pública brasileira, a Constituição de 1988, no entanto, estabeleceu claramente que esse ensino não poderia ser sobre uma ou outra religião. Nesse sentido, o que o STF fez não foi uma interpretação da Constituição, mas uma verdadeira reforma da constituição sem, no entanto, ter mandato e legitimidade para isso.

A decisão do STF afronta não apenas o Estado laico, mas também atenda contra a pluralidade e diversidade religiosa brasileira. É falacioso, a esse respeito, o argumento apresentado pelos ministros do Supremo ao atacar a posição da Procuradoria Geral da República, que era contrária ao ensino religioso confessional na escola pública.  Quem defende a pluralidade e a diversidade religiosa não pode defender que a escola pública acolha o ensino dessa ou daquela religião. Inclusive porque sabemos que a decisão do STF obedece às “consciências” e os poderes de grupos religiosos muito específicos: os cristãos.

Ao estabelecer a nova “interpretação” do dispositivo constitucional sobre o tema, o STF presta mais um desserviço à sociedade brasileira, reforça a promiscuidade entre os interesses públicos do Estado e os interesses privados das confissões e instituições religiosas e cria um cenário em que é previsível o aumento dos conflitos religiosos de todas as ordens a serem administrados pelas escolas públicas.

O Estado laico é a única forma conhecida até o momento de fazer com que sejam minimanente respeitadas todas as confissões religiosas e as convicções daqueles que não professam religião alguma. Submeter as instituições públicas aos ditames dessa ou daquela confissão religiosa é uma forma de corrosão da vida diversa e democrática que defendemos. É por atentar contra essa árdua, apesar de incompleta, conquista, que a decisão do Supremo deve ser repudiada e lamentada.

Foto de destaque: Carlos Moura/SCO/STF

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