A vida imita a arte ou a arte imita a vida?

Sandra Ribas

O filme Nerve – um jogo sem regras nos conta sobre um universo já bem conhecido na adolescência onde o sujeito é provocado a cumprir diversos desafios, quer ele queira ou não, para ser aceito em um grupo social resultando em uma violência mais profunda do que ele próprio pode dar conta no momento mas que certamente causará danos, por vezes irreversíveis, no futuro. Não é por acaso que a escola ocupa uma parte relevante do cenário do filme, o local de encontros e desencontros mais provável para essa faixa etária e onde se dão as relações e tensões que movem essa fase da vida.  

O enredo se dá em um jogo online onde existem dois perfis, o de jogador e o de observador, jogadores cumprem desafios cada nível mais ousados e perigosos ordenados pelos observadores que os seguem por toda parte e usam todas as informações dos participantes que estão nas redes sociais. Todo o processo ocorre em uma atmosfera de sigilo máximo, não há a identificação de nenhuma personalidade e os IP’s (endereços físicos dos computadores) são protegidos. Há um código de honra de não delação e só sai do jogo quem fracassa, o que causa extremo constrangimento para o jogador e a repulsa do restante da comunidade. Chama atenção aqui a intensa relação entre a realidade atual das redes sociais e o que o roteiro propõe como fictício. Em entrevista de divulgação realizada com Dave Franco  e Emma Roberts, que interpretam os protagonistas, o ator enfatiza o quão possível é esta realidade tornar-se real em futuro bem próximo. 

No desenrolar do filme podemos identificar que a própria personalidade dos jovens é tolhida e violentada, fazendo-os sucumbir as ordens e desmandos de um grupo cujo intento é tão somente uma competição. O mundo online se confunde com o offline, os jogadores e observadores participam de tarefas de teor extremo como se não houvesse limites para as ações. O uso de perfis fantasmas, conduta na Grande Rede de Computadores (Word Wide Web ou www) e a utilização dos dados pessoais do internauta por pessoas físicas e jurídicas também são problematizados, suscitando atenção acerca do limite entre o público e o privado além do direito da personalidade em uma plataforma ainda distante do Código Civil. 

A arte imita a vida e a vida imita a arte, muitos paralelos são traçados entre Nerve – um jogo sem regras e o jogo Baleia Azul, que já fez dezenas de vítimas em todo mundo. Jovens, de idade cada vez mais tenra, tem se aproximado do desconhecido universo das redes sociais anônimas, de procedência suspeita, da Dark Web, do mundo das drogas ilícitas, enfim do que lhe causa curiosidade, porque o conhecimento nos dá asas, causa poder, institui um status privilegiado de aceitação em seu meio. Porém o perigo aqui é não existir espaço para o diálogo entre os jovens com os pais, a escola, as igrejas. Não existir espaço para ser sincero e falar de seus medos e angústias e ter certeza que será ouvido sem preconceitos, sem sermão ou críticas destrutivas. 

Da mesma forma que foi reconhecida a alteridade da infância, é urgente que se dê a devida atenção ao jovem, reconhecendo a importância do diálogo profícuo, considerando-os como atores na construção de seu próprio destino. Pais, professores, organizações religiosas e governamentais tem em si um desafio que não é pequeno, uma mudança que tem que vir de dentro. Falo da reformulação do olhar frente ao jovem e ao lugar que ele ocupa na sociedade. Sim, não temos que mudá-los, nós é que precisamos mudar! 

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