A sexualidade à flor da pele: da espiadinha pelo buraco da fechadura à fala pública em um mercado popular

Evelyn de Almeida Orlando

Há duas semanas, viajando à Belém, me deparei com uma situação fora do padrão, mas tão fora que causou certo frisson em todas as pessoas ao meu lado. Algumas já tinham ido ao Mercado Ver-o-Peso e relataram uma experiência com uma senhora, a Dona. Dora, mulher local cujo ofício é vender óleos para todas as necessidades de homens e mulheres. Embora seu estoque seja bastante variado, os óleos que se tornaram sua principal propaganda de marketing são aqueles de teor sexual. Não apenas pelo óleo, em si, mas pela explicação que Dona Dora dá a todos os que chegam a sua banca. Todos querem saber sobre as peripécias possíveis, a partir do uso dos óleos. Todos querem conhecer, experimentar, mergulhar no universo da sexualidade, estimulados pela mítica do afrodisíaco “óleo da bota”.

 Dona Dora nos foi apresentada como a alma do mercado por aqueles que já a tinham conhecido. De acordo com as muitas narrativas, não era possível ir ao mercado e não conhecê-la. Sob essa enfática orientação, segui nessa direção com um grupo de amigos não para flanar, ver artesanatos ou mergulhar no cotidiano de um povo, com seus cheiros, cores, sabores ou dissabores. Nossa ida tinha endereço certo: a banca de Dona Dora. A mulher de fala aberta, marcada, despudorada, que fala de sexo em meio ao mercado em alto e bom som.

Chegando lá, não a encontramos, mas sua filha prontamente se apresentou dizendo que “falava tudo igual a sua mãe”. O sentimento inicial de perda da personagem principal daquele lugar, logo desapareceu. Substituindo a mãe, a moça reproduzia o que, segundo ela, os clientes queriam ouvir. O ensino do oficio de Dona Dora à filha passou, sobretudo, pela fala aberta sobre sexo. Esse é o diferencial do seu negócio. Ela chama a atenção não pelo que vende, mas pelo que fala e como fala.

Dona Dora e sua filha são o que Michelle Perrot definiu como mulheres públicas, transitam pela cidade, negociam, se expõem, interferem na cena cultural e social daquele lugar com seus modos de ser e estar que afrontam todas as normas morais e chocam uma classe média que insiste em passear no mercado como uma pessoa local, mas que se entrega nos muitos estranhamentos do olhar. Comedida pelo pudor burguês e cristão aprendido nas regras de conduta civilizada, ensinada desde cedo à moderação dos gestos, da fala, do comportamento, ao mesmo tempo em que se constrange, sente-se também atraída, seduzida, provocada.

Aquelas mulheres públicas do mercado Ver-o-Peso, em Belém, descobriram, de modo muito simples, o que Foucault já indicava em seu livro História da sexualidade I: a vontade de saber – a existência do desejo de saber relacionado ao prazer, tema ainda mais silenciado e reprimido, especialmente às mulheres, historicamente interditadas nessa arte. Poderíamos nos perguntar juntamente com Foucault: “Estaríamos liberados desses dois longos séculos onde a história da sexualidade devia ser lida, inicialmente, como a crônica de uma crescente repressão? Muito pouco, dizem-nos ainda” (p 10). Tão pouco que quando alguém fala de forma aberta e pública se destaca na multidão.

Da espiadinha no buraco da fechadura à fala pública no mercado, as pessoas desejam saber, desejam conhecer, perscrutar, se arriscar, ousar nesse terreno ainda tão desconhecido e silenciado que causa os mais diversos sentimentos e reações em pleno século XXI. A interdição ao sexo, como um dispositivo de controle da população, continua orientando ou desorientando a constituição dos sujeitos em suas identidades e negando-lhes a possibilidade do prazer como parte de sua existência. Podemos nos perguntar a quem serve a baliza moral que reprime e regula os instintos? A quem serve o silêncio e a negação dos corpos? Que efeitos produz esse tipo de repressão?

Assim, entre o desejo de saber e o constrangimento social, vamos procurando as brechas do conhecimento, não apenas sobre o mundo, mas sobretudo, sobre nós mesmos/as, sobre os nossos corpos e sobre tudo o que nos constitui como sujeitos, ainda que seja à revelia…


Imagem de destaque: Oswaldo Forte

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