A retirada do termodos Planos Estaduais e Municipais de Educação: algumas questões a pensar – exclusivo

Evelyn de Almeida Orlando

No último artigo, publicado em 10 de julho de 2015, mobilizada pela polêmica instaurada na redação dos Planos Municipais de Educação, escrevi aqui, em um exercício de reflexão, sobre “O que está por trás da polêmica sobre a ideologia de gênero nos Planos de Educação?” Hoje, dia 25 de agosto, a Câmara de vereadores de São Paulo está realizando a segunda votação de seu plano e, apesar de haver três propostas de emenda em relação ao primeiro texto, nenhuma delas está relacionada ao termo “gênero ou sexualidades”.

Conforme afirmou o vereador e presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores, Paulo Fiorilo, ao G1 no último dia 22 de agosto: “Sobre a questão de gênero não vai ter nenhuma alteração. O que nós conseguimos na aprovação do texto já foi um passo importante para que a gente possa garantir que a educação pense na igualdade. É óbvio que a gente precisa avançar. A  expressão gênero virou uma coisa proibida”. Só para lembrar, esse posicionamento não é exclusividade de nenhum partido político, embora seja esta a tendência de entendimento da chamada do G1 ao anunciar a matéria com o seguinte título: “PT propõe emendas, sem palavra gênero, ao plano de educação de SP”. O mesmo vereador afirma: “Talvez tenhamos pecado por não ter feito o debate de gênero em sua amplitude. Temos um lado que diz não ao retrocesso e outro em defesa da família. Precisamos encontrar uma saída”.

Diante da expressiva recusa pela temática nos Planos, parece mesmo que não fizemos o devido debate sobre a importância de se discutir gênero e sexualidades nas escolas, muito embora entre nós – pesquisadores da área de educação – esta seja uma temática já muito assentada. Mas apenas um debate mais ampliado seria suficiente? Certamente não. Então o que mais deveríamos ter feito? A causa da minha dúvida está nos expressivos números já na primeira instância da votação do Plano.

Tomando o caso de São Paulo apenas a título de ilustração, o resultado da primeira votação do Plano Municipal de Educação, realizada no dia 11 deste mês na Câmara dos Vereadores de São Paulo, é indicativo de um problema muito maior. Por 42 votos a 2, e nenhuma abstenção, foi votada a remoção de todos os trechos em que a palavra “gênero” era citada no referido Plano. Ao deixar transparecer a mentalidade ultraconservadora dos políticos que nos governam – diga-se, de passagem, eleitos por nós – , esses números indicam que a natureza do problema, mesmo na instância política, é suprapartidária. Mas esses números também causam um incômodo por nos fazerem questionar como nossos avanços científicos, no campo da educação especificamente, têm chegado à população? Como nossas pesquisas têm subsidiado a população na reflexão de problemas educacionais que a envolvem de inúmeras formas? Quais os rebatimentos de nossa produção?

É tão óbvio para nós educadores que não é possível pensar a escolarização, como um dos processos de formação do indivíduo, desconectada de assuntos e problemas que estão na ordem do dia, e muitas vezes na pauta dos jornais, com consequências desastrosas. Refiro-me aqui a problemas relacionados à intolerância de todos os tipos (de gênero, religiosa, étnico-racial, política etc.). É tão óbvio para nós que o respeito à diversidade passa por considerá-la e não negá-la, passa por incluir e não excluir.

E por que respeitar? Em primeiro lugar, porque deve ser um princípio regente das relações humanas e sociais, o qual permite a cada um de nós exercer a condição de sujeitos de direitos e deveres. Temos, portanto, o direito de sermos respeitados e o dever de respeitar. Em segundo lugar, porque é condição sine qua non para a democracia. A existência de um modo de ser que reflete a maioria da população em suas crenças, hábitos e opções, não pode apagar ou mesmo reprimir as diferenças instituindo uma desigualdade moral, social e política que incide diretamente no pleno exercício da cidadania.

Em matéria publicada na EBC de 08 de julho de 2015, o atual Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, em seu direito de voz, mas sem muita força política, critica a retirada da questão de gênero dos Planos Estaduais e Municipais de Educação. Muito claramente, Renato Janine chama a atenção para um desvirtuamento da questão e afirma: “É uma pena que a discussão tenha se desviado desse aspecto de liberdade das pessoas, que faz parte da educação. Educação é liberdade, é acolhimento, é democracia”. Por que esse desvirtuamento? Por que tornar polêmica uma questão tão presente em nosso cotidiano? Janine nos deixa uma pista: “Não existe o que é chamado ideologia de gênero, mas jovens que, no ensino médio, vivem a descoberta do corpo e da sexualidade”.

Já havia chamado a atenção para essa questão quando provoquei a reflexão sobre “o que estaria por trás da chamada ideologia de gênero?” Repito, agora fazendo coro com a cientista social e coordenadora da Rede de Gênero e Educação em Sexualidade (Reges) e coordenadora da organização Ecos – Comunicação e Sexualidade, Sylvia Cavasin, em entrevista à EBC em 23 de julho de 2015 que “a recusa e a omissão na discussão sobre a igualdade de gênero é uma posição política que não contribui com a garantia do direito à educação para toda a população”.

Passados mais ou menos um mês e meio daquele primeiro texto em que tratei do tema, a reflexão se desdobra em outros caminhos. Assim, o que é possível fazer quando a temática da igualdade e do respeito à diversidade não é contemplada em nossos Planos de Educação?

São muitos caminhos, mas gostaria de destacar apenas dois, a meu ver, fundamentais. Primeiro, a Constituição Federal em seu artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais a promoção do bem de todos “sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Logo, temos base legal para inserir práticas igualitárias e discuti-las, sempre que for preciso, em nosso fazer cotidiano. Do ponto de vista político e pedagógico, é fundamental que a diversidade esteja presente no currículo e nas práticas pedagógicas no interior da escola. Mas é preciso também ampliar o debate com a sociedade e deixar claro que a questão de gênero vai muito além da discussão da sexualidade e não tem nenhuma relação direta com a “ideologia de gênero”, criticada também por muitos educadores. É preciso dialogar sobre isso nas diferentes instâncias sociais e educativas e a escola é apenas um desses lugares, mas sem dúvida nenhuma, um lugar privilegiado.

Não seria este o nosso papel como professores e pesquisadores? Não seria o diálogo com a sociedade embasado nos avanços das Ciências Humanas e Sociais um compromisso social?  Precisamos avançar em ações mais incisivas e, em parceria com outros atores educativos, trabalharmos em prol de uma escola mais democrática, regida por princípios de igualdade e laicidade. Esta é uma tarefa árdua, há muito começada, e com uma boa trajetória, mas os últimos acontecimentos em relação às nossas políticas educacionais nos indicam que há muito ainda por fazer…

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