A percepção (imagem/paisagem) do lugar expressa em desenhos: relato do processo ativo e criativo

Vagner Luciano de Andrade

Fernanda Aparecida Peixoto*

Como diria um provérbio de autoria desconhecida, “vamos falar das crianças, é delas este paraíso que estamos a destruir. O Éden existe e está no coração das crianças. Se está lá, está salvo”. Outra frase com autor desconhecido se encaixa neste contexto é “imaginando o oceano, as crianças brincam numa poça d’água”. Na infância, as relações entre seres humanos e seus lugares/paisagens de referência tendem a ser mais latentes. Assim, registrar a percepção dos lugares através do desenho e da expressão é uma inovação metodológica. Acima de tudo cria uma interlocução entre as Artes e a Ecologia. Desenhar é montar um quebra-cabeça com imagens e mensagens internas e externas em plena sintonia. Talvez seja esse um dos propósitos da arte-educação no ensino fundamental e médio, manter a criança viva e acessa dentro de cada ser. Que esta criança nunca cresça e nem se perca.

Desenhar é viajar no tempo, é se fazer criança novamente e esboçar o mundo ideal de cores e sonhos. Para a Tapera escolheu-se a representação do B612, um papagaio e uma paisagem para ecologizar desenhos dando-lhes conotação, significado e sentido, materializando-os como manifesto do desagrado e desafeto com a degradação da natureza dos lugares e das paisagens. Tapera é o nome do lugar das águas, hoje destruído e a grande árvore, um centenário jequitibá, representa o saudoso ângulo da vida coletiva, antes da chegada da mineração. Era um relevante marco simbólico na paisagem local. Longe da profunda dor que isso causou às pessoas daquele lugar, durante a execução esta atividade buscou-se referenciais para desenhar e esboçar o resgate do lugar perdido. Parafraseando Rayck (2011, p. 200).

Desenhar é como atiçar brasas. Evocar pode significar trazer à memória e também a tentativa de atrair entidades sobrenaturais. Todos os sentidos relacionados, chamar, nomear, intimar, desejar, pedir, convidar ou chamar em auxílio, implicam voz e palavra (e-voc-ar). Desenhar é evocar, reunir outras imagens, lembrar, fazer vir o que não se foi completamente, o que não existe, o que existe contiguamente ao nosso tempo e espaço. Por seu parentesco com a escrita, pela sua capacidade de jogo com as formas e aparências, desenhar é chamar e nomear as coisas. Em uma abordagem de referência mítica, no nome reside uma espécie de verdade sobre as coisas, algo como uma essência. Escrever e apagar, marcar e rasurar […]

A representação do encontro entre a Raposa e o Pequeno Príncipe como a síntese da comunhão trabalhada com lápis grafite, lembra das relações e laços criados neste lugar. A imaginação esboçou um papagaio, animal que era muito comum no lugar querido, colorido de azul, cor para jamais esquecer o céu azul que observado encantou tantas vezes. A técnica usada foi giz de cera aquecido no ferro de passar roupa.

Desenhar é denunciar. Tendo como suporte, técnicas de Desenho e Expressão, pode-se pensar em uma proposta elaborada pelos professores de todas as disciplinas do ensino fundamental motivando atividades de mapeamento das realidades, paisagens e lugares dos alunos. A iminência do desenho potencializa a essência filosófica, e tecnicamente de incidir e criar espaços conscientes e inconscientes.Para Rayck (2011, p. 200):

A iminência do desenho é traçar e criar espaços, dar vida e existência às ausências e vazios. O desenho é a formação inicial do vestígio e da semelhança. Como ação mais elementar propõe-se a estender linhas e avançar, dividir, criar realidades diferentes. O desenho estabelece, sobretudo, fronteiras: o que está dentro e o que está fora, o que é real e o que é representação, o que é matéria e o que é espírito. O desenho acompanha a história e a evolução humana desde sua origem: desenhávamos como uma forma de compreender o mundo, como uma correlação mágica do que é real e do que é desconhecido.

A partir dos lugares em que vivem, os alunosescolherão uma imagem para realização do desenho de observação com lápis grafite, existente em livros e sites ou registradas por fotografias. A partir de uma situação real, os alunos realizarão um desenho de imaginação, com lápis de cor a partir de um conjunto de imagens inspiradoras para a criação de outras imagens, sem cópia de imagens pré-selecionadas. A partir de uma paisagem de referência, os alunos desenharão usando técnicas livres (observação ou imaginação) que preferirem, experimentando os materiais que desejar (aquarela, caneta hidrográfica, giz pastel, lápis de cor, nanquim, etc.) a partir de uma imagem de referência (no caso do desenho de observação) ou as imagens de inspiração (no caso do desenho de imaginação). É importante que os conceitos chaves de lugar, realidade e paisagem sejam explicitados nas imagens criando uma temática para ser trabalhada entre os três desenhos que devem ser apresentados numa narrativa coerente, que consiste emelaborar, uma atividade textual.

Por fim, “Por favor desenha me um carneiro” relembrando a célebre frase dita pelo Pequeno Príncipe, ilustra a percepção resgatada dos tempos de crianças, quando a imaginação dava asas à alma. Desenhar é tornar-se criança e eternar-se no tempo. O último desenho em técnica livre, representa uma tapera, junto às águas e uma árvore esplendorosa. Tristeza sem fim, quando se traz para o desenho o lugar de uma infância feliz, reacendo a criança interior.


PARA IR ALÉM

RAYCK, D. Desenho como bruxaria. In: DIAS, A. (org). Cadernos de Desenho. Florianópolis: Corpo Editorial, 2011.

Antonie de Saint Exupery –  O Pequeno Príncipe

MARCATO, M. C. G.; OLIVEIRA, D. M. Desenho e Expressão Gráfica. Maringá: UniCesumar, 2019.

SAMPAIO, Glayson Arcanjo de. Em demolição: notas sobre desenho, processo, lugar = Indemolition: notes on drawing, process, place. 2018. 1 recurso online (295 p.). Tese (doutorado) – UniversidadeEstadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP.

Jorge Silva Marques – As imagens do desenho – Percepção especial e Representação. Trabalho de Síntese, 2006.

Como desenhar paisagens por meio da observação

Percepção da Paisagem: conceituação, observação, descrição, vivência.Lucy Marion CalderiniPhiladelpho Machado.

* Educadora camponesa da Tapera, Desterro de Entre Rios – MG. LicenciadaemCiênciasBiológicas pela UniversidadeMetropolitana de Santos – UNIMES (Estado de São Paulo) e discente do Curso de EspecializaçãoemGestãoAmbiental e Educação da UniversidadeEstácio de Sá – Campus Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais).

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