A PALAVRA DO ARESTO – acórdão da opressão

 Ivane Laurete Perotti

 “[…] a dualidade existencial dos oprimidos que ‘hospedando’ o opressor, cuja ‘sombra’ eles introjetam, são eles e ao mesmo tempo são o outro.”
Paulo Freire

No processo de construção da história os muros não são símbolos, são tijolos suados. Discutir a natureza dos tijolos contrariaria a natureza do projeto, e possivelmente, alteraria o resultado da massa!

Talvez o título deste texto devesse ser Smoke Gets In Your Eyes, mas ao sucesso dos Platters, 1959, cabe referência de maior poder, uma vez que, palavras não se esfumaçam no decorrer dos processos linguísticos, somos nós que fechamos os olhos para manter a fumaça que nos constitui enquanto seres da palavra vazia, repetidores de projetos que desvalidam o homem social. E daí, dizer do amor, não seria poético; seria penas falacioso, aldrabão, enganoso, um ardil textual embaidor.

Contudo, falar continua sendo um ato político de despimento. Pena que ao político não se inclua o pensamento filosófico de Hegel (1979), já que, despir-se, por si só, acordemos, remete à simbologia das máscaras e das convenções. Contudo, findo o Carnaval, há de se propor que, nesta Quaresma de proscrições, não se desterre o ato de pensar na palavra que revela. “O homem já não vive em um universo puramente físico, mas em m universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são parte deste universo.” (CASSIRER, 1977, p.49-50).

Em uma conversa por detrás dos muros, a palavra do oprimido revela a dual existência que nos cabe. Cabe?

                      _ … esta greve dos professores não tem cabimento!

                      _ Concordo! Meus filhos estão em casa, traumatizados. As aulas nem começaram e já vem essa história de greve.

                      _ Sim, é isso! Meus filhos também estão sofrendo. São criancinhas, não têm o que fazer dentro de casa. Estão ansiosos. Falta quebrarem as portas.

                      _ E eu que trabalho? Estou pagando uma babá. Vê se pode!

                      _ Será que os professores não têm consciência? Estão fazendo mal às nossas crianças, eles deveriam entender a missão que assumiram!

                     _ Isso mesmo! Eles que optaram por isso… sempre souberam que professor ganha pouco. Se quisessem ganhar mais, que escolhessem outro trabalho.

                     _ Verdade… eles não pensam nas criancinhas. Só pensam neles.

                     _ A greve na escola pública deveria ser ilegal.

 Se “hospedar” o opressor é uma consequência da natureza não dirimida dos tijolos suados, o discurso, por sua vez, é uma massa cuja aderência pede um solo fecundo: “[…] a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é porém, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos.” (FREIRE,2006, p. 32).

Quem somos no projeto social construído à força da desvalia histórica?

Quem somos nesta história?

Nus em pelo, as palavras não nos acobertam. Nem mesmo farão do professor um missionário por vocação. O professor é um TRABALHADOR da educação – este espaço em que tantos colocam a mão… no bolso. Será que poderíamos levantar um pouco o ângulo? Desconheço o lugar da consciência, mas de braguilhas abertas, não dá. Ou tira-se a roupa, ou veste-se… qual é o aresto?


Referências

CASSIRER, Ernest. Antropologia Filosófica. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 59-60.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 43ª ed. R.J.: Paz e Terra, 2006, p. 32 e 54.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. S. P.: Martins Fontes, 1997.

PLATTERS. Smoke Gets In Your Eyes 1959. Disponível em:

Imagem de destaque: Dave Webb / Unsplash

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