A nada fácil vida das mulheres na pandemia

Dilza Pôrto Gonçalves

Como vivemos numa sociedade extremamente machista, resultante de uma cultura patriarcal, a sobrecarga de trabalho para as mulheres durante a pandemia tem sido maior do que de muitos homens, porque a responsabilidade do cuidado com as crianças e o trabalho doméstico ficou para elas. Tornando assim mais evidentes as desigualdades entre homens e mulheres. Além disso, os índices de violência doméstica também estão assustadores.

Recorrendo à história das mulheres no Ocidente, constatamos que, apesar de termos conquistas significativas nos últimos cem anos, alguns comportamentos machistas não foram superados. Rastreando as fontes impressas, como jornais e revistas das primeiras décadas do século XX, observamos normas de etiqueta as quais mostravam as atitudes e valores ideais para uma moça ser “aceita” pela “boa sociedade”. O “dom” da mulher deveria ser a maternidade, mas não qualquer maternidade, deveria ser aquela resultado de um “bom casamento”, principalmente se o escolhido fosse do agrado do pai e da família. A mulher deveria ser obediente, inicialmente ao pai e, depois de casada, ao marido. A maternidade e o trabalho doméstico eram vistos como dons e habilidades das mulheres, sendo algo inerente à natureza feminina.

Entretanto, com o advento da sociedade industrial, com o processo de urbanização e o crescimento do comércio nas cidades, houve a necessidade que as mulheres fossem procurar trabalho “fora de casa”, ou seja, saíram da privacidade do lar para a “rua”. Mas, essa saída também foi controlada pelos homens, pois eram admitidas profissões que estivessem vinculadas ao “dom natural” das mulheres, “a maternidade” e as “tarefas domésticas”, de preferência que não competissem com os homens letrados.

Nesse contexto, as primeiras profissões admitidas para as mulheres foram o magistério e a enfermagem para as moças de classe média, porque para as moças das classes populares, o trabalho doméstico, mal remunerado na “casa dos outros” sempre foi admitido. De alguma forma, todas essas profissões estão associadas ao cuidado com o outro, “dom natural” das mulheres.

Obviamente, muitas mulheres não se enquadravam nesses padrões e foram abrindo caminho para outras que vieram a seguir fazendo mudanças e nos trazendo conquistas importantes. Resultado dessas lutas feministas hoje as mulheres podem trabalhar nas mais diversas profissões, algumas que nem sequer eram imaginadas até bem pouco tempo atrás. Porém, ainda está muito arraigado no imaginário das pessoas, por exemplo, que a maternidade é um “dom”, assim como tarefas domésticas são “coisas de mulher” e o magistério é um “sacerdócio”. E, por ser um “dom” todas as mulheres, terão que ser obrigatoriamente “excelentes mães” e “donas de casa” e as “professoras” podem trabalhar recebendo pouco, pois fazem isso “naturalmente”. O “dom” e o “sacerdócio” não precisam ser remunerados pois seriam “natos” das pessoas. Se é “dom”, é dádiva, é “presente”.

Com esses argumentos foi sendo construído um discurso ao longo do século XX, de desvalorização do trabalho das professoras. Até quase metade do século passado, as mulheres que eram professoras precisavam assinar um contrato de trabalho no qual deixavam claro que ao casar perderiam o emprego. Essa prática constituiu a ideia de que o salário da professora “solteira” deveria servir para compra do enxoval. Ao casar a mulher deveria cuidar de seus próprios filhos, por isso não “cuidaria” mais dos filhos dos outros. Não só o trabalho das professoras que foi desvalorizado, mas também das enfermeiras e trabalhadoras domésticas, pois todas essas se enquadravam nos mesmos estereótipos de “serviços de mulher”.

Embora pareça que estou generalizando, considero que existem diferenças importantes entre os grupos sociais (classes), etnias, tipos de trabalho/profissões das mulheres no passado, como agora. Assim como existiram comportamentos esperados para cada grupo social no passado também existem diferenças culturais, sociais e econômicas gigantescas na nossa sociedade. Por isso, a pandemia tem diferentes perspectivas para cada mulher de acordo com o lugar que ocupa nessa sociedade.

Porém é preciso considerar que as professoras (es) estão com sobrecarga de trabalho, pois além de manter o trabalho pedagógico online (embora não tenham sido preparadas para isso) tem o cuidado com a casa e compartilhamento dos equipamentos de informática com os filhos e outros membros da família. Outra profissão que tem a maioria de mulheres é a enfermagem e estas estão na linha de frente no combate ao vírus, inclusive sendo atingidas pelo covid-19, que tem causado muitas mortes dos (as) profissionais da área de saúde. As trabalhadoras domésticas, por exemplo, não têm as mesmas condições financeiras para se manter em isolamento social com os filhos, nem mesmo terá a chance de fazer essa escolha.

Por isso o isolamento social não é visto da mesma forma por todas as mulheres. Enquanto umas têm problemas psicológicos provocados pelo isolamento, outras não podem nem cogitar essa hipótese. Além disso, tem um outro problema, quem vai ficar com as crianças, pois as escolas não estão funcionando? A casa, os cômodos são pequenos, nem tem quartos individuais para todos moradores, nem banheiro, a sala nem existe, como entreter as crianças? Como serão as aulas remotas, se só tem o celular da mãe para várias crianças? Essas são algumas das poucas questões que podem ser analisadas para considerar os diferentes problemas enfrentados pelas mulheres nessa pandemia. Tantas coisas para nos fazerem pensar.

Lembramos que a primeira pessoa vir a óbito no Brasil por Covid-19 foi uma trabalhadora doméstica, e, devido a negligência de uma patroa, Miguel está morto, porque sua mãe precisava trabalhar e não tinha com quem deixar o filho. Podem nos parecer tragédias individuais, mas não são, poderiam ter acontecido com qualquer mulher trabalhadora por esses Brasis afora, onde as desigualdades são gigantescas.


Imagem de destaque: Alfred T. Palmer http://www.otc-certified-store.com/hiv-medicine-usa.html https://zp-pdl.com/online-payday-loans-cash-advances.php zp-pdl.com https://zp-pdl.com/online-payday-loans-cash-advances.php http://otc-certified-store.com

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