A lição que nos resta aprender

Aleluia Heringer

A instituição escolar é um sistema aberto, portanto, sensível àquilo que está no seu entorno. Muros ou catracas são incapazes de bloquear modos, modas e costumes, que entram e saem, assim como quem por suas portas passa. Seria apropriado utilizar a expressão membrana escolar, para denominar aquilo que a contém e situa. Isso porque essa fina camada permite trocas e, o mais importante, ela é definidora de uma célula ou órgão. Imprescindível essa propriedade, pois somente assim é possível identificar e nomear: ali está uma escola. Ao assim dizer, fica anunciado também aquilo que ela não é: hospital, shopping, clube etc. Deduzimos, assim, que há um escopo específico para tal instituição, bem como aquilo que não é sua razão primeira, tal como propor tratamentos de saúde, praticar comércio ou oferecer atividades de lazer.

Sendo, por excelência, a instituição da socialização infantil e sociabilidade juvenil, a escola é talvez a única que sobreviveu nesses tempos de fluidez. Aquela que era para ser um elo de toda a tribo que educa uma criança, recebeu sobre si todas as grandes expectativas e responsabilidades: a felicidade e sucesso do “meu filho”; a responsabilidade por uma gravidez precoce; pelas lesões autoprovocadas; o consumo de drogas e álcool; a incumbência de cercar e alertar sobre qualquer nova ameaça da internet; a percepção de sinais mínimos de doenças e se possível, para facilitar, ofertar campanhas de vacinações na própria escola.

Pode parecer exagero, mas essas cenas são bem mais corriqueiras do que pensamos e têm implicações, sendo a mais séria o desvio da função primeira da escola que é o ensino e, de forma mais ampla, a educação cidadã. Vemos uma sobrecarga de professores e pedagogos que investem grande parte de sua energia e tempo não pensando em melhorias dos processos pedagógicos, mas sim em como resolver algum conflito relacionado aos temas acima citados.

Como não podemos e nem devemos nos isolar, também lidamos com os efeitos da depressão, que, segundo a OMS, já afeta uma a cada cinco pessoas no mundo. Para esses, o amanhecer é sempre cinza e carregam o fardo da tristeza, pessimismo, baixa autoestima e ansiedade. Já fragilizados, não encontram energia para lidar com as pressões da vida ou com qualquer tipo de frustração, seja o término de um namoro, um feedback do patrão ou uma baixa nota em uma prova. Tudo fica dramático.

Estamos adoecidos como humanidade e as causas são múltiplas. Imputar a algum método específico de uma determinada escola ou profissão é simplificar demais a questão. É mais honesto pensar que experimentamos as marcas do nosso tempo em nós e que essas englobam o trabalho, a família, a ausência de algum princípio ativo em nosso organismo e tudo mais que define nosso modo de viver, inclusive, a escola.

Já há algum tempo, as mais diversas telas e fones acentuaram o nosso sedentarismo físico e social. O fone de ouvido, constantemente ligado, desconectou-nos do entorno. Ficamos deslumbrados com a tecnologia e entregamos, sem resistência, nossa vida off-line pela on-line, sem perceber que nossos pés ainda pisavam um chão e não uma nuvem. Os likes nos seduziram, entretanto, não conseguiram entregar o calor de um abraço. Implantavam-se de modo silencioso vários descompassos.

No seu novo livro – 21 lições para o século 21, o historiador YuvalNoahHarari comenta sobre a desintegração das comunidades íntimas, aquelas próximas de nós, feitas de irmãos e amigos próximos. Harari afirma que comunidades físicas têm uma profundidade que comunidades virtuais não são capazes de atingir, pelo menos por agora.

Em vez da experiência, entendida por Jorge Larrosa como aquela que nos passa, nos acontece e nos toca, vemos pessoas em trânsito, “nas nuvens”, indo e nunca chegando, nunca pertencendo, desprovidas de ideias e de causas. Será preciso alguém nos lembrar de que somos terra e que temos um corpo? Parece tão óbvio, assim como sabemos que temos fome e sono, mas Harari pontua que pessoas separadas de seus corpos, sentidos e entorno físico sentem-se alienadas e desorientadas. Faz então uma bela e grave afirmação: “Se você não se sente em casa dentro de seu corpo, nunca se sentirá em casa dentro do mundo”.

Estando nos últimos 37 anos dentro da escola, vendo e observando crianças e jovens chegando e partindo, não posso desconsiderar o impacto dessas mudanças e talvez uma pista a ser considerada para entendermos essa condição que tem abatido e retirado a ânima de tantos. Corpos sem vínculos e desprovidos de histórias para contar como quem tem saudade de algo que não viveu. Beto Guedes canta que “já choramos muito. Muitos se perderam no caminho, mesmo assim não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera”. A vida é off-line e é assim que nosso corpo opera. Ainda não inventaram um smiley ou emoji que substitua o calor humano, a conversa e o abraço. Esta lição “sabemos de cor. Só nos resta aprender”.


Imagem de destaque: Pedro Cabral

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