A legitimidade das escolas cívico-militares I

Antonio Carlos Will Ludwig

A palavra legitimidade pode ser entendida de três maneiras. No sentido político ela indica a existência de um elevado grau de consenso entre a população, o significado jurídico encontra-se relacionado à adequação ao sistema legal em vigor ea compreensão genérica e comumaqui adotada é pertinente ao que é válido, adequado, coerente e justificável. Por sua vez, as escolas cívico-militares revelam a existência de uma militarização do ensino incidente nas escolas públicas da educação fundamental e média. Ela pode ser vista como uma espécie de aculturação porquanto o objetivo principal do encontro nelas entre militares e civis é instaurar nas mesmas valores que são específicos da corporação bélica. Observe-se que neste encontro os militares também permanecem sujeitos aos influxos civis bem como ele tende a alterar tanto a identidade pessoal de cada aluno quanto à cultura de cada organização escolar.

Frente a tal fato é preciso colocar a seguinte pergunta: o atual processo de militarização do ensino público por meio das escolas cívico-militares tem legitimidade?  Respostas afirmativas e negativas podem ser pronunciadas com base em inúmeros argumentos que já vieram e continuam vindo á tona nos meios de comunicação desde o início do ano até os dias que correm. No entanto a polêmica em vigor tem focado apenas a conveniência ou a não conveniência da militarização do ensino em termos da transposição do modelo educacional militar às escolas civis. Até o momento não foi possível identificar um tipo de questionamento incidente na consonância do atual modelo educativo militar para a formação dos próprios militares.

Dois pressupostos balizadores dominantes dificultam muito o seu aparecimento. Um deles refere-se á possível validade da militarização do ensino civil em função da elevada qualidade do ensino militar e o outro diz respeito á indicação de que o ensino civil pode ser militarizado porque não existe nenhum fator relevante impeditivo. Entretanto ambos se apoiam em um pressuposto antecedente, ou seja, de que o longevo modelo educacional castrense continua bastante estável, sólido, certo e apropriado ao preparo dos servidores fardados. O que se pretende aqui é examinar a suposta robustez desse pressuposto.

Em relação a este modelo educacional já tivemos a oportunidade de exibi-lo e analisa-lo.  Ele é constituído por quatro componentes: a uniformização, a diferenciação, a pedagogia tecnicista e a administração centralizada. A uniformização visa a inculcação de uma identidade militar comum a todos os alunos. A diferenciação tem a ver com o desenvolvimento da individualidade. A pedagogia tecnicista fornece os recursos necessários ao processo formativo uniformizador e diferenciador. À administração centralizada cabe movimentar de modo controlado o processo de uniformização e diferenciação sustentado pela pedagogia tecnicista.

O processamento da identidade militar que se situa no âmbito da uniformização gira em torno da hierarquia e da disciplina, os dois pilares básicos e rigorosos da organização castrense.  A hierarquia diz respeito à posição ocupada por cada um numa escala vertical de autoridade e de incumbências. A disciplina significa a obediência às ordens emanadas daqueles que encontram-se em pontos mais elevados dessa escala pelos que se situam mais abaixo bem como o cumprimento de toda legislação militar.  Para garanti-las são constantemente empregadas à observação e a vigilância das condutas.  Punições e recompensas por atos praticados também são recorrentemente utilizados. Sabe-se que o uso de tais expedientes podem gerar comportamentos de medo e apatia os quais não se mostram adequados ao perfil de um soldado.

A ordem unida a pé com arma, sem arma e em veículos motorizados constitui o recurso mais valioso para garanti-las. Ela é praticada de maneira constante e intensiva durante todo o processo formativo bem como no decorrer de toda a vida profissional do militar. O rotineiro ato de entrar em forma, o frequente deslocamento de agrupamentos por meio de marchas bem como os costumeiros desfiles internos e externos puxados por bandas e exibidores de evoluções harmoniosas comandadas por ordens verbais, gestos e toques de corneta são manifestações da ordem unida. O objetivo dela é garantir o acatamento e a subordinação. Os aplicadores da ordem unida sabem que a repetição de ordens claras e bem conhecidas seguidas de uma execução rápida, precisa e de modo maquinal asseguram o estabelecimento do reflexo da obediência.

Vale lembrar que a ordem unida e principalmente sua resultante, teve um papel muito importante durante séculos. Pode ser dito que ela foi bastante valiosa nas guerras de primeira, segunda e terceira gerações. Nos dias que correm continua tendo alguma validade.  É o caso, por exemplo, quando os militares são designados para cumprirem o papel de policia. Quanto a isso cabe observar que eles não possuem o preparo suficiente além do mesmo ser bem pouco frequente. Embora não seja o único recurso disponível, ela tende a facilitar o trabalho administrativo dos comandantes de unidades, principalmente aquelas dotadas de um elevado número de integrantes. Manifesta-se ainda com um recurso de controle de agentes que portam e fazem uso de armas. Este recurso precisa ser bastante relativizado haja vista que na Suíça desde há muito tempo até o plebiscito deste ano todos os cidadãos são soldados, carregam armas e as guardam em suas casas e pelo que se sabe nunca ocorreu nenhum descontrole por causa disso.

Destaque-se que a ordem unida tem servido bastante para manter o secular perfil do militar e preservar tradições castrenses. Nas denominadas guerras de quarta e quinta gerações ela não possui quase nenhum valor mesmo porque podem até dispensar o uso do poderio bélico haja vista que as mesmas visam interferir fortemente na vida normal de um país por outros meios, ou seja, através de ataques cibernéticos, disseminação de informações falsas e ações psicológicas midiáticas. Note-se também que algumas importantes ações militares atuais são executadas individualmente tal como o trabalho do atirador de elite que se auto comanda.

Outras transformações relevantes também colocam em xeque a sua validade. A principal e determinante foi o fim da guerra fria. Este desenlace aliado ao avanço das políticas neoliberais em todos os recantos do mundo provocou e continua a provocar a redução do tamanho das Forças Armadas, pois, atualmente a possibilidade de um conflito abrangente tais como as guerras convencionais do passado é muito pequeno. O que se encontra em vigência são as contendas regionais e locais. Assim sendo, a nova estratégia adotada por quase todos os países é a de valorizar a cooperação militar multinacional e a organização de exércitos dotados de contingentes menores, providos da qualificação requerida, aprestados da mobilidade necessária e munidos de grande flexibilidade.

Esta força global, que não leva em conta o possível sentimento de patriotismo existente na subjetividade dos militares nacionais, sob o comando da Organização das Nações Unidas da qual o Brasil faz parte, passou a ter por tarefa essencial senão exclusiva tentar garantir a estabilidade do mundo que caminha rumo a direções incertas carregadas de conflagrações. Percebe-se então que ocorreu uma alteração radical, isto é, os militares deixaram em segundo plano a atividade guerreira e assumiram o papel de guardiões da paz.  Este novo papel está exigindo deles o cumprimento de novas tarefas tais como a de comunicador no decorre de seu contato com populações e autoridades locais em diversas regiões do mundo e a de diplomata que exige a competência para utilizar as práticas políticas de mediação e negociação com populações, autoridades civis, líderes de facções em confronto, jornalistas e outros setores da sociedade civil.


Imagem de destaque: Marcelo Camargo/Agência Brasil 

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