A “escola sem partido” e a educação infantil – exclusivo

Marcelo Ribeiro

Uma das polêmicas discussões que tem sacudido o campo da educação é a controversa “escola sem partido” ou “escola livre”. Em alguns municípios e mesmo em estados da federação, tal proposta está sendo tramitada no poder legislativo ou mesmo já vigorou enquanto lei.

Em suma, a ideia da “escola sem partido” se assenta no entendimento de que a escola, ou melhor, o professor, precisa se focar nos conteúdos e se desvencilhar dos aparatos ideológicos, sejam eles partidários, religiosos etc. Estes aspectos seriam, para os defensores da “escola sem partido”, uma das grandes mazelas da educação, contribuindo para o entrave do desenvolvimento da sua qualidade.

Os arautos da “escola sem partido” vociferam quando se colocam em defesa da educação infantil. Nesta etapa da educação básica, passa a ser uma questão fundamental limpar a escola, tornando o ambiente asséptico, de modo que as crianças possam estar livres das contaminações ideológicas vindas dos possíveis partidos ou grupos sociais que se intrometeriam na aprendizagem dos pequenos. Afinal, é notório o quanto a educação infantil é a base de todo o processo educativo e porque não dizer, de todas as transformações da sociedade que se quer para as novas gerações.

A proposta da “escola sem partido”, sobretudo para a educação infantil, ao propor a desideologização da escola não estaria justamente permanecendo no campo da ideologia? Ou ainda sendo mais radical, lembrando Florestan Fernandes sobre a crítica à tese da neutralidade, haveria, como se quer supor, uma escola neutra? O que incomoda mesmo os defensores da “escola sem partido”, principalmente na educação infantil? Possivelmente seriam as políticas ligadas aos costumes e comportamentos, como a educação étnica e de gênero.

A “escola sem partido” indica ser uma das expressões que reagem contra o exercício de uma sociedade mais livre do ponto de vista da sexualidade, do gênero, do pensamento, etc. Ao dizer que o professor não poderia abordar as questões de gênero ou de sexualidade, na educação infantil, por exemplo, porque estaria doutrinando as crianças, incentivando-as a depravação ou induzindo padrões que contrariam suas “livres escolhas”, os arautos da “escola sem partido”, em nome da suposta liberdade (na verdade o conservadorismo) sustenta a sociedade como é, ou seja, preconceituosa, machista e homofóbica.

Em nome de um discurso cientificista (da neutralidade), os defensores da “escola sem partido”, geralmente membros ou simpatizantes de segmentos conservadores da sociedade (sejam segmentos políticos ou religiosos) dizem que não poderia haver doutrinações na escola, mas escodem que suas propostas reforçam o establishment da sociedade, sobretudo uma sociedade fortemente desigual como a brasileira.

A ideologia da “escola sem partido”, portanto, que se espalha na sociedade, em fenômeno contemporâneo e global de retração dos direitos humanos, tem na educação infantil brasileira um marco de retrocesso e pega contramão em relação aos processos civilizatórios que foram galgados em países menos desiguais.

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