A cruel pedagogia do vírus: diálogos com Boaventura de Sousa Santos

Alexandra Lima da Silva

“Que potenciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus?”

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos se propõe a refletir sobre tais desafios do mundo contemporâneo no recém lançado livro A cruel pedagogia do vírus. Existe uma dimensão pedagógica nos momentos de crise? De forma lúcida e coerente, o autor estrutura o livro em 5 tópicos:

  • Vírus: tudo o que é sólido desmancha no ar
  • A trágica transparência do vírus
  • A sul da quarentena
  • A intensa pedagogia do vírus: as primeiras lições
  • O futuro pode começar hoje

A leitura de Boaventura de Sousa Santos situa a pandemia num contexto de uma crise previamente existente, tendo em vista o cenário de permanente crise imposto pelas medidas neoliberais desta fase do capitalismo.

Nas palavras do sociólogo português, “a crise financeira permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social) ou degradação dos salários”.

Tal crise tem por objetivo legitimar a concentração de riqueza e impedir providências em relação à iminente catástrofe ecológica, provocada pela relação destrutiva do capitalismo com o meio ambiente e com as reservas naturais do planeta.

Os argumentos do autor me convencem da urgência de mudar as bases nas quais o capitalismo se estrutura, tendo como seus companheiros inseparáveis o colonialismo e o patriarcado.

A gravidade da pandemia reside no agravamento da extrema desigualdade social em muitos países. A pandemia é perigosa principalmente num cenário de falta de serviços de saúde pública para todos, na égide de uma sociologia das ausências.

Apontada como uma saída para conter o avanço da doença e do colapso do incipiente sistema de saúde em países como Estados Unidos e Brasil, a quarentena é especialmente difícil para alguns grupos: mulheres, trabalhadores precários, informais, os sem-teto e as populações em situação de rua, os moradores de periferias pobres das cidades, favelas, os internados em campos para refugiados, os imigrantes indocumentados, as pessoas com deficiência. Assim, a crueldade da pedagogia do vírus reside no reforço da injustiça, da discriminação e na exclusão social.

Contudo, tais assimetrias se tornam mais visíveis agora, tendo em vista o pavor daqueles que não estão habituados a experiência da dor e do sofrimento para sobreviver num mundo que se faz insalubre.

O cenário de caos de uma pandemia expõe as fragilidades do capitalismo, que não tem um modelo de justiça social na agenda. A pandemia ensina que sim, é preciso mudar, pois o futuro estará sempre ameaçado enquanto os modos de produzir e existir seguirem sendo predatórios e injustos, pois, “só com uma nova articulação entre os processos políticos e os processos civilizatórios será possível começar a pensar uma sociedade em que a humanidade assuma uma posição mais humilde no planeta que habita” (Santos, 2020, p. 66).

Ou a gente muda, ou a gente se extingue, é isso que um vírus nos ensina.

Para saber mais:

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo:

Boitempo, 2020.

 

 

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