A carnavalização da ação política em hashtags (#)

Daniel Machado da Conceição

Durante a pandemia, o acesso à rede mundial de computadores cresceu vertiginosamente, as pessoas assistem filmes, compram produtos, realizam cursos, trabalham em home office, participam de lives musicais, educacionais e debates. Concordo com a chamada de um comercial que diz ser este um momento de transformação, pois estamos aprendendo a ver o mundo das janelas de nossas casas e das janelas dos dispositivos móveis. O impacto disso tudo na sociabilidade contemporânea ainda não podemos identificar plenamente, mas sabemos que ele acontece e vai crescer, de maneira que apenas dentro de alguns meses ou nos próximos anos poderemos avaliar com mais clareza o quadro que ora se desenha.

As mídias digitais em meio à pandemia apresentaram a desigualdade social que ficou escancarada com a fragilidade do sistema econômico, que não pode garantir renda aos trabalhadores, além de ter tornado mais visível o grande volume de trabalho informal, e identificado uma população esquecida pela seguridade social e sem exercer seus direitos civis. O acesso precário a serviços de saúde e a sua disparidade em relação ao privado também se mostram evidentes. Além disso, o fosso educacional se alarga quando pensamos sobre a mediação remota, à distância, e os fatores ligados à sua mínima execução nas mais diversas faixas etárias e níveis educacionais. Ademais, não podemos esquecer a nossa capacidade de deturpar o uso das mídias. As fake news e sua proliferação são exemplos de mau uso e desinformação.

No espaço virtual descobrimos inúmeras oportunidades de comunicação, ensino, aprendizado, empreendedorismo, entretenimento, distração, perda de tempo e também um maior engajamento no cyberativismo. É verdade que o grande número de acessos e a circulação de informações necessita da criação de regras para um mundo virtual que se entende sem fronteiras éticas e morais. Tudo pode ser postado e compartilhado com a ideia da garantia da liberdade de expressão. No entanto, estamos aprendendo que essa realidade não pode significar um espaço de permissividade e aceitação da barbárie com alegações de que tudo é válido no mundo virtual.

Minha percepção está relacionada às muitas ideologias que se mantinham obscuras e que no contemporâneo ressurgem das sombras atormentando parte da população. Pensamentos que representam o que achávamos estar superado, porém, com as redes sociais emergem e com eles se propaga violência. No embate de forças, no equilíbrio entre os polos negativos e positivos, um eterno e precário equilíbrio entre yin-yang, posso perceber que ideologias ligadas a um posicionamento egoísta voltam a despontar e tendem a inflamar a sociedade. Cito como exemplos os atuais governos brasileiro e estadounidense, que utilizam como estratégia a agressividade na exposição dos argumentos e, consequentemente, a distensão dos limites democráticos e da paciência de boa parte das populações de seus países.

O movimento de cyberativismo tem permitido que os mais diversos slogans exemplificados nas hashtags (#) possam ser disseminados. As muitas frases, vídeos, imagens etc., representam posicionamentos políticos ou denotam ações pseudopolíticas. Muitas pessoas que optaram pela neutralidade nos últimos anos, agora, no conforto da janela de um dispositivo móvel, assumiram um posicionamento expresso em curtidas e compartilhamentos.

No entanto, estão fazendo política? As redes sociais permitem a verdadeira ação política? Um questionamento inicial deve passar sobre sua condição de ser um espaço democrático, que constato ser uma falácia, tendo em vista a desigualdade de acesso de grande parte da população brasileira. Um segundo ponto sobre o qual precisamos pensar é se aqueles que têm acesso estão recebendo informações adequadas, pois os direcionamentos das ações dos conhecidos logaritmos oriundos de inteligência artificial tem influenciado a formação de opinião. O envio de mensagens (postagens) não mais pautadas no desejo e na necessidade de consumo do referido perfil virtual, foram apropriados para disseminação ideológica, política e partidária.

Essas manifestações expressam posições que tendem a ser polarizadas e identificadas como: situação x oposição, direita x esquerda, negros x brancos, pobres x ricos, asfalto x morro, homens x mulheres, heterossexuais x homossexuais, conservadores x liberais, antigoverno x pro governo, fascista x antifascista etc… Todos os posicionamentos apontam para um lado extremo, criando identidades que se fecham em si mesmas em uma relação de ação e reação. Na maioria das vezes somos intimados a nos definir entre um e outro. Essa situação remete a um determinado modelo cognitivo que percebe a realidade de maneira binária, logo, excludente. Tal pensamento aceita a vida em sociedade reduzida a dois lados, um bom (o meu) e um mau (do outro).

Pensar sobre as ações políticas via internet, quando uma postagem é compartilhada nas redes sociais, deve ser encarado como um posicionamento e uma escolha, já não é mais apenas entretenimento. A polifonia nas redes é muito ampla, bem-vinda e deixa o ambiente virtual muito instigante. Suas inúmeras formas de informação exaltam o sentimento de humanidade ou acabam por destroçar o pouco que nos resta de coletividade. O alcance de uma fala, um gesto, uma escrita ou uma imagem, pode atingir um público gigantesco em poucos segundos. Atos e acontecimentos são acessados não mais em minutos após uma breve edição, atualmente, são transmitidos ao vivo de maneira instantânea e sem filtro.

As disputas no ambiente virtual por marcas, símbolos e ideologias fazem parte de um grande jogo midiático. No passado, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) era responsável por contabilizar a audiência dos programas de televisão, hoje o Tweeter é utilizado como referência e o número de hashtagsé sua quantificação. Um tipo de carnavalização da política e de sua ação nas mídias sociais é o que parece acontecer.

Mais que definir entre A e B, precisamos pensar no restante do alfabeto e em como podemos ampliar um engajamento maduro e consciente. Há necessidade de reconhecermos a diversidade e sem essa ponderação continuaremos a cair no erro da visão dicotômica sem entender que a sociedade não pode ser representada por uma simples relação simétrica ou definida por um conjunto de bandeiras que enfeitam uma passarela na qual a hashtag (#) está sempre na frente de um conceito.


Imagem de destaque: Pete Linforth / Pixabay

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