11 DE SETEMBRO (E O BRASIL)

Alexandre Fernandez Vaz

 

Na manhã de 11 de setembro de 2001 eu participava de uma conturbada reunião do Conselho Universitário da UFSC, representando o Centro de Ciências da Educação[1]. Por pressão do movimento de greve, nos encontrávamos no auditório da Reitoria, e não, como costumeiro, na Sala dos Conselhos, com participação livre da comunidade universitária. Enfrentávamos um momento crítico da Universidade (talvez já não faça sentido dizer isso, parece que ele nunca passa, só entra em recesso de vez em quando) e contra ele fazíamos a greve que recém começara.

A reunião já se iniciara quando cheguei e ao sentar-me ao lado de um amigo, sou informado do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York. Àquelas alturas pouco ou nada se sabia das causas e consequências do atentado, tampouco o que ele significaria ou qual sua extensão. Durante as horas seguintes especulou-se de tudo, até mesmo o início de uma nova guerra mundial (supondo, claro, que já não estávamos em guerra, que esta não é a situação permanente do contemporâneo).

Imagens de guerra, imagens em guerra. Na televisão se via e se escutava a narrativa belicista, na internet igualmente. À tarde, em uma assembleia docente no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, vi e escutei uma colega louvar o ataque suicida e ser aplaudida por uma parte da claque. Gozar com o cadáver alheio – mesmo que não literalmente – ainda parece ser um ponto forte de muitos de nós. É fácil ser irresponsável na Universidade, o que frequentemente acontece não sem nefastos efeitos.

Sim, o 11 de Setembro foi um crime terrível, ato terrorista, e mesmo intelectuais de esquerda, como Susan Sontag, que entendem que a responsabilidade dos Estados Unidos da América não foi pequena na consecução das condições que geraram o episódio, estão de acordo com tal vaticínio.

Vinte e oito anos antes, ao sul do Equador, houve outro também em 11 de Setembro, o golpe militar que entronizou a ditadura e logo o neoliberalismo no Chile. Coincidência macabra esta, a de destinar a mesma data a dois episódios como esses.

Na primeira vez em que estive em Santiago, capital do Chile, em 2009, fiquei impactado quando, ao percorrer o bairro Providencia, deparei-me com sua principal avenida nomeada de 11 de Septiembre. Sim, uma homenagem ao dia que teria salvado os chilenos da ameaça comunista. Ela hoje se chama Nueva Providencia, afastando-se do intolerável tributo. Antes e depois disso, ouvi de chilenos a presença de “equívocos” sob a ditadura de Pinochet, mas que haveria que reconhecer o desenvolvimento econômico alcançado. Mais ou menos o mesmo, aliás, que se escuta às vezes no Brasil em relação à nossa própria experiência recente. Um pouco diferente, talvez: em geral se diz aqui que sob os militares havia, pelo menos, ordem e ausência de corrupção. Espantoso.

A mudança no nome da importante via de Santiago faz lembrar a grande quantidade de ruas, praças e estabelecimentos de ensino com nomes de ditadores e semelhantes no Brasil. Uma das mais importantes escolas de Florianópolis leva o nome de Getúlio Vargas, o mesmo que, depois de estabelecer uma ditadura que flertou com o nazismo e criou uma polícia política cuja violência ganhou forma de Estado paralelo, entrou para a história oficial como “Pai do Povo”. No final da ditadura civil-militar (1964 a 1988), a herança varguista, na forma da invenção de uma tradição, foi disputada pela filha Ivete e por Leonel Brizola – este, um dia depois de chegar do exílio de quinze anos, discursou junto ao túmulo de Getúlio em São Borja. Mais recentemente, foi Lula quem evocou a si mesmo como sucessor de Vargas. Um pouco de pudor não teria feito mal aos admiráveis, sob diversos aspectos, Brizola e Lula.

Sou favorável ao fim das homenagens a ditadores, ao mesmo tempo em que defendo a permanência de monumentos com seus nomes, com as devidas ressalvas educativas, de modo a não se esquecer que um dia eles foram louvados.

Não há elaboração do passado sem uma memória que se leve a sério, sugere Theodor W. Adorno, professor, teórico social e crítico do capitalismo, que na semana que vem, também em 11 de Setembro, completaria cento e quatorze anos. No último número da revista Piauí, Fernando Haddad[2] relembra o frankfurtiano em uma de suas obras mais radicais, as Minima Moralia, ao contar de uma reunião com o então presidente eleito, Lula, com intelectuais. Haddad teria lido um pequeno trecho do livro no qual Adorno desabilita respostas-padrão sobre qual seria o objetivo de uma sociedade que se pretendesse emancipada. Nada poderia ser menos esperado, para os desavisados, do que a resposta do grande dialético: “Que ninguém passe fome”.

Que cheguemos um dia a não ter mais terror – de qualquer espécie e origem –, que não se aplauda ditadores – porque eles não existirão ou porque serão sempre repudiados –, que não haja mais fome. E que a Universidade faça algo a favor de tudo isso.

Sul da Ilha de Santa Catarina, setembro de 2017.

[1] Citei o episódio que narro aqui mais detalhadamente em meu primeiro texto para este Pensar: https://www.pensaraeducacaoempauta.com/alexandre-vaz-24out.

[2] (Des)ilusões liberais: FHC, Lula e a ficção histórica de Marcos Lisboa. Edição 132, setembro de 2017.

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