O DIA EM QUE CANCELARAM A MINHA FANTASIA DE CARNAVAL
Ed Marte
Era uma sexta de alegria pré-carnavalesca na cidade de BH e, como em todos os anos, acontecia um baile de carnaval, onde era realizado um concurso de marchinhas e de fantasias com os artistas e foliões da cidade. No ano de 2014, esse baile aconteceu nas ruas num quarteirão fechado da Avenida Brasil, região central da cidade. Havia um palco montado para as apresentações musicais, muitas barraquinhas de comidas e bebidas e mesinhas para agradar à multidão. Ensaiei a semana inteira o enredo da minha fantasia e fui radiante desfilar minha alegria colorida na Avenida Brasil. Cheguei na avenida e a pista já estava lotada, muitas pessoas, famílias, jovens na área curtindo o carnaval. Desci do táxi, no salto alto, e de repente as pessoas já olhavam para meu corpo fantasiado e causando algumas reações diversas nos transeuntes. Algumas pessoas pediam para tirar fotos comigo, elogiavam a produção e queriam minha presença naquele instante. As juventudes periféricas presentes curtiram com zoeiras e sorrisos e uns diziam “esse aí é de lá, é do crime”. Encontrei amigues na festa, comecei a circular na festa para expor a fantasia para o corpo de jurados que estavam presentes no evento. Pelas regras do concurso de fantasias, esses jurados escolheriam as 10 mais para que os foliões pudessem desfilar no palco no final e o público iria escolher os vencedores.
Antes aconteceu o concurso das marchinhas, com shows e apresentações no palco principal. Um músico amigo querido me convidou na hora para dançar no palco, cantar o refrão da sua marchinha que era “ tira a mão tira a mão tira a mão do meu pai”. Eu subi pulei dancei e animei a galera. A festa continuou com outras apresentações, e num certo momento um guarda da polícia militar me convidou gentilmente para uma conversa atrás do palco.
Ele me disse então que uma dona da sociedade mineira presente estava reclamando da minha fantasia, que ela achou pornográfica. O guarda disse que estava tudo bem, era carnaval, e que eu evitasse circular perto dessa tal senhora. Eu, um corpo trans não binárie, estava montada no salto alto, como uma Dominatrix Futurista com um biquíni cavadíssimo e um macacão vermelho tipo meia arrastão, com um dildo duro apontando pra frente na cintura.
Soube depois que minha fantasia foi cancelada, desclassificada pelos jurados, pois uma das juradas considerou que era uma fantasia machista. Não binárie desobediente de gênero pode ter nem neca em paz?