O cérebro podre, a tecnologia e a informação
Yolanda Assunção
Uma coisa que marca, pra mim, o final do ano é a escolha do verbete do ano do Dicionário Oxford. A escolha é uma espécie de editorial de fim de ano. A importante publicação da Universidade de Oxford olha para o ano e fala o que significou os últimos 365 dias a partir de sua própria perspectiva de mundo.
Em 2024, do Dicionário de Oxford e seus especialistas elegeram a expressão “brain rot” como verbete do ano. Numa tradução simples é “cérebro podre” ou “podridão cerebral”, e refere-se a uma espécie de esgotamento mental devido a um consumo excessivo de conteúdo superficial. Segundo a editora Oxford, o termo foi buscado cerca de 130.000 vezes, e não podemos negar que tem tudo a ver com as apressadas timelines que rolam nos nossos celulares.
A Oxford só reforça o que percebemos no nosso dia a dia (desde muito antes de 2024): estamos com os olhos pregados em nossas telas e nossas vidas giram em torno delas. Impossível não pensar, nesse cenário, nos projetos de lei que preveem a proibição do uso de celulares em escolas, uma das pautas que giraram em torno da educação no segundo semestre de 2024.
Confesso que da primeira vez que escutei sobre tais projetos me assustei. Isso era pauta nos meus últimos anos de escola (e olha que naquele momento o máximo que o celular tinha a oferecer eram mensagens de texto e o jogo da cobrinha) e o assunto ainda está aí. Achei que os celulares jé eram dados como parte da vida e pronto. Outra surpresa na discussão foi ver que ainda tem pessoas falando em “uso pedagógico” do celular. Parece que tudo tem que ser pedagógico, educativo, útil, produtivo… e as professoras que se virem para fazer mais isso. Mas foi a declaração de uma professora no evento Fora de Sala realizado pelo Pensar a Educação que me fez repensar todo esse cenário: os estudantes estão usando ChatGPT para fazer tarefas dentro de sala – e consequentemente não demonstram em seus trabalhos as habilidades esperadas e uma evolução no processo de aprendizagem.
Isso faz parte de toda uma realidade de fluxos de informação na qual vivemos. Conteúdos curtos, sem profundidade e que passam rápido. Além do apodrecimento dos cérebros e afetar os processos de ensino e aprendizagem, esses fluxos também interferem na propagação de fake news, fortalecimento de discursos de ódio e aprofundamento das diferenças sociais amparadas por princípios individualistas e meritocráticos. Não é possível negar que os aparelhos celulares (e computadores), as plataformas de redes sociais e as ferramentas de Inteligência Artificial têm importante papel nesse cenário. Está “tudo” na palma da mão, com um comando simples, um prompt. É rápido, vem pronto, está de acordo com o que já pensamos. Mas será que os aparelhos e ferramentas são, em si, os únicos ‘vilões’? (não acredito em tecnologias neutras e portanto na inocência delas, mas essa é outra conversa).
Um dos motores da questão, e também um caminho para a solução, está na forma como lidamos com a informação. Para quê damos atenção? Quanta atenção? Até porque nada disso é novo. As informações enganosas não nasceram no facebook. Historiadores apontam que desde a Roma antiga os governantes ‘adaptavam’ as informações para atender suas vontades, correspondendo ou não à realidade. O ChatGPT não é o primeiro lugar que concentra informações não verificadas ou verificáveis. Estas ferramentas e espaços são mais rápidos que nunca, mais acessíveis que nunca, mas não tem nada de inédito.
E aqui voltamos ao verbete da Oxford. A expressão “brain rot” combina direitinho com o ambiente da internet, suas plataformas e ferramentas. Mas o termo foi usado pela primeira vez 100 anos antes do nascimento de Timothy John Berners-Lee, o cara que criou a famosa rede mundial de computadores. Henry David Thoreau já pensava em cérebros apodrecidos quando escreveu Walden, considerado um manifesto contra a sociedade industrial e urbanizada que crescia nos Estados Unidos nos anos de 1850. E às vezes, para problemas antigos, às soluções também estão em práticas e conselhos antigos. O meu preferido aqui é “Não fale com estranhos!”.
Nós não prestamos atenção no que se fala, não interessa se faz sentido, se tem respaldo da realidade. Só rolamos mais uma vez a tela. E se não prestamos atenção no conteúdo, também não prestamos atenção em quem fala. Seu gênero, cor de pele, onde vive e em quais condições. Mesmo assim, as mensagens, mesmo que sem nenhuma profundidade, vão se acumulando, esgotando nossa mente. Saber de onde vem os discursos que consumimos, escolher eles, treinar os algoritmos, limpar nossa timeline… tudo isso é muito importante para entender e interpretar as informações. Isso é educação para mídia. Não vai resolver todos os problemas, mas pode ser um caminho.