No meio do caminho tinha o Novo Ensino Médio

Geraldo Leão

“Meu projeto é comprar uma moto e tirar carteira pra trabalhar com entregas por aplicativo.” (Diego, 16 anos)

“Quero ser pediatra, mas primeiro vou fazer um curso técnico de enfermagem. Aí vou trabalhar e fazer cursinho pra tentar o vestibular. Eu cuido de uma criança e adoro.” (Jéssica, 17 anos)

“Não sei o que vou ser no futuro. Hoje eu faço uns corres, porque moro com minha mãe e ela não tem condições de bancar tudo sozinha. Quero ter meu negócio próprio.” (Felipe, 18 anos)

“Quando terminar o ensino médio eu vou fazer um concurso pra policial. Lá no supermercado vai sempre uma delegada e ela me incentiva. Mas tem que estudar muito e a escola pública não ajuda, né?” (Jenifer, 17 anos)

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Os depoimentos e os nomes são fictícios, mas expressam parte do que ouvimos quando conversamos com jovens do ensino médio das escolas públicas. Há uma diversidade de modos e de condições de vida. Sonhos e projetos os mais diferentes.

Recentemente foi aprovado o projeto de lei do Novo Ensino Médio – NEM. Isso aconteceu na surdina dos conchavos e das manobras do parlamento brasileiro, sem qualquer respeito e consideração pelas manifestações de educadores e estudantes que indicaram inúmeras críticas a ele. 

A pergunta é se os diferentes sonhos, modos de ser e condições de vida são reconhecidos e valorizados no modelo concebido pela lei. 

A defesa da proposta parte da tese de que o ensino médio brasileiro vive uma crise porque ele não dá conta de atender às demandas dos/as estudantes em um mundo que se transformou muito. O discurso preponderante fala de um jovem “proativo”, que domina as novas tecnologias digitais da informação, com uma grande autonomia e protagonismo para fazer suas escolhas na vida. Cria-se a ideia de uma juventude homogênea que não existe no mundo real.

Tal discurso parece se ancorar muito mais no desejo de produzir de um tipo ideal de jovem estudante. A narrativa sobre os desafios do mundo contemporâneo e do papel da educação nesse contexto reduz a formação no ensino médio a um processo de adaptação, sem questionamentos. Quando se refere à formação de um indivíduo crítico, isso se reduz apenas a uma postura que possibilite mobilizar recursos individuais para que a sociedade se renove e modernize dentro dos parâmetros do capitalismo financeiro global. Afinal de contas, as coisas precisam mudar para que fiquem da mesma forma.

Educar para o empreendedorismo torna-se o objetivo central. Trata-se de formar indivíduo empreendedor, capaz de buscar soluções para seus problemas num mundo de incertezas e crescentes desigualdades produzidas pelo modelo de produção no qual se ancora nossa sociedade. Na pedagogia das competências que sustenta a proposta, cada um se torna responsável pelo seu sucesso ou fracasso, independentemente das condições que lhe são oferecidas. Não é isso que diz a outra ponta da reforma, a Base Nacional Comum Curricular? Nela repete-se insistentemente que o objetivo do currículo é que o/a estudante domine as habilidades para resolver problemas cotidianos. Se o problema é o primeiro emprego, violência, depressão ou ansiedade, espera-se que a pessoa seja capaz de buscar soluções criativas para superá-lo.

Nessa direção tem sido feita a discussão sobre o eixo projetos de vida. Esvaziado de sentido, o tema tornou-se uma disciplina a mais, ou como queiram alguns, um componente curricular. Na prática tem sido um momento autoajuda, baseado em manuais tão superficiais que subestimam a inteligência de nossos/as adolescentes. E muito distante de qualquer possibilidade de diálogo com as demandas juvenis, como as exemplificadas nas falas acima.

Resta saber se estudantes e educadores irão aceitar passivamente a lei ou se irão construir formas de resistência a mais essa reforma.

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