Muito além da princesa redentora: a invisibilidade de pessoas negras na luta abolicionista
Sirlene Ribeiro Alves
Ao longo de nossa história, as comemorações do dia 13 de maio foram marcadas pela imagem da princesa redentora. Porém, ao estudar a luta abolicionista, percebemos que a Lei Áurea não foi um ato de benevolência da monarquia brasileira, mas um resultado de múltiplos fatores, dentre os quais se destaca a mobilização popular, principalmente na década de 1880, liderada por uma série de personagens negras. Homens e mulheres inconformados com a barbárie do sistema escravista se mobilizaram na militância antiescravista.
Apesar de reconhecer a importância do dia 20 de novembro, uma conquista do movimento negro, reforçamos a relevância de reconhecermos a abolição da escravidão no Brasil como uma conquista popular, que mobilizou diversos setores de nossa sociedade e ocupou o cenário público sob a liderança de pessoas negras.
Na corte, a frente das conferências emancipadoras, além dos nomes conhecidos como José do Patrocínio e André Rebouças, temos a participação de Vicente de Souza, Cacilda Francioni de Souza, José Agostinho dos Reis, Professor Viriato Figueira da Silva e Guilherme Cantalice. Todos fizeram diferença em suas frentes de atuação.
Vicente Ferreira de Souza foi um intelectual negro, formado em Farmácia e Medicina, que fez carreira como docente no Colégio Pedro II, sendo um dos principais discursadores nas conferências. Na tribuna popular, trazia argumentos econômicos, históricos e religiosos para desvalidar o sistema escravista. Entre os temas trabalhados por Vicente de Souza em suas explanações, está a contestação da inferioridade da raça africana, com a apresentação de um Egito negro que influenciou filósofos gregos.
Cacilda Francioni de Souza foi a primeira mulher a participar ativamente das conferências. Professora primária, Cacilda se apresentava na parte musical com outras pessoas negras, como Viriato Figueira da Silva e Guilherme Cantalice. Também esteve à frente de associações abolicionistas femininas, como o Clube Abolicionista José do Patrocínio, que reuniu senhoras em prol da causa.
José Agostinho dos Reis nasceu na Província do Pará como escravizado. Formou-se em Engenharia, tornou-se professor da Escola Politécnica e participou de várias organizações abolicionistas, tanto na Corte como em sua cidade natal, atuando como correspondente do movimento no Norte do Brasil. Foi vice-presidente do Clube de Engenharia e assumiu a direção interina da Escola Politécnica em diversos momentos, mas sua trajetória e, principalmente, sua origem como escravizado são invisibilizadas.
Viriato Figueira da Silva nasceu em Macaé em 1851, filho de escravizados. Mudou-se para a Corte e estudou com Joaquim A. Callado, tornando-se seu grande amigo. Em 1880, foi diretor de harmonia da Sociedade Filarmônica Niteroiense e compositor de diversas obras entoadas nas conferências, como a polca Macia, dedicada a Patrocínio. Chegou a reger 200 professores em uma conferência em homenagem a Joaquim Nabuco, e se apresentou na maioria das conferências.
Guilherme Cantalice nasceu no Rio de Janeiro em condição de escravizado. Violinista e compositor, é considerado, juntamente com Viriato e Joaquim Calado, um dos precursores do choro. Sua aparição nas conferências emancipadoras, muitas vezes ao lado do menino Alberto da Motta, é significativa e demonstra como pessoas negras, libertas do cativeiro, colocaram seus talentos em prol da luta antiescravista.
Rememorar o 13 de maio, revisitando essas figuras, suas lutas e trajetórias, cumpre uma revisão histórica necessária, quebrando com a hegemonia até hoje celebrada e comprometida com uma educação antirracista que reconheça e valorize a intelectualidade negra e abolicionista, servindo de inspiração para os nossos jovens.