Mais escola, menos qualidade?

Mais escola, menos qualidade?

Um tema que tem aparecido muito nos debates e nas propostas educacionais dos mais diversos setores e grupos sociais é aquele relativo ao alargamento do tempo de permanência diária das crianças e jovens na escola. A chamada escola de tempo integral, apesar da imprecisão da denominação, é hoje defendida por políticos e especialistas em educação como uma das mais importantes estratégias de atendimento às necessidades e aos direitos das crianças e dos jovens a uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, como afirmação da função de guarda e segurança das escolas nas complexas sociedades modernas.

Em que pese o fato de o Brasil ter estabelecido um número de dias letivos e de anos de escolaridade obrigatória equivalente ou mesmo acima da média mundial, também é verdade que o tempo de permanência diária de nossas crianças e jovens na escola é bem próximo daquele das primeiras décadas do século XX: não mais do que 4 horas e 30 minutos. Vários fatores contribuíram (e contribuem) para isso. De um lado, a falta de prioridade de nossa sociedade em investir em educação ao longo do tempo, o que fez com que os prédios escolares fossem escassos e, logo, sua utilização fosse intensiva, chegando mesmo a termos 4 turnos de aula numa mesma escola em alguns momentos. De outro, aqui no Brasil, não apenas as camadas médias abriram mão da escola pública, como o fato de poderem contar com uma mão de obra muito barata para o trabalho doméstico fez com as famílias optassem por delegar a guarda das crianças às empregadas domésticas e não à escola, como em outros países; ou, o que é a outra face dessa moeda, de contratar outros serviços (cursos de línguas estrangeiras e outros os mais variados) também fora do ambiente escolar.

Hoje, apesar de alguns grupos sociais defenderem a educação doméstica e de outros, mesmo defendendo a escola, chamarem a atenção para o possível impacto negativo de uma jornada escolar extensa sobre as crianças e jovens, as políticas educacionais caminham no sentido de ampliar o tempo de permanência diária na escola. Esse é, inclusive, o espírito da meta n. 06 do Plano Nacional de Educação que determina a oferta da educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos (as) alunos (as) da educação básica até 2024.

Essa preocupação, no entanto, não surge com o PNE. Já há vários anos muitos municípios e estados brasileiros vêm buscando alternativas para manter as crianças na escola por mais tempo durante os dias letivos. No entanto, no momento em que se discute a generalização desse atendimento, inclusive para as crianças que passam a frequentar obrigatoriamente a escola a partir dos 4 anos, há que se perguntar sobre as condições em que está ocorrendo esse alargamento do tempo de escolarização.

O que se observa em boa parte do país é que o alargamento do tempo escolar diário tem sido feito de forma muito precária, sobretudo aquele dirigido às crianças e jovens mais pobres. Sob o argumento de que é melhor ficar na escola do que na rua, um número expressivo de prefeituras, inclusive de capitais, tem organizado um atendimento baseado na utilização de espaços “comunitários” inadequados e no trabalho voluntário ou na contratação precária de bolsistas e de pessoas sem nenhuma qualificação específica para o trabalho pedagógico. Não por acaso, a ideia de que o “contra turno” é para aulas de “reforço escolar” viceja em todo o país.

O alargamento do tempo escolar diário baseado na perspectiva do reforço escolar e na precarização ainda maior da escola e do trabalho dos profissionais da educação é um sintoma da incapacidade de a sociedade brasileira respeitar os direitos de nossa população a uma escola de qualidade. A impressão é de que nossos gestores do público, com o beneplácito de muitas organizações e, mesmo, de universidades, querem travestir políticas de assistência e de segurança, feitas pela metade, como política educacional de qualidade. Enquanto assim for, vamos continuar defendendo o fechamento das escolas por falta de alunos e a precarização do atendimento em tempo integral por falta de espaço nas escolas que continuarem abertas e de recursos financeiros para manter, também os professores, um maior tempo na escola em que trabalham.

 

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